A cada nova informação revelada pela
Operação Porto Seguro, da Polícia Federal (PF), afigura-se mais amplo o
esquema de tráfico de influência em favor de interesses privados montado
dentro do governo federal, espraiando-se por vários setores da administração.
Além das Agências Nacionais de Transportes Aquaviários (Antaq), de Águas
(ANA) e de Aviação Civil (Anac), estão envolvidos a Advocacia-Geral da
União (AGU), a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), o Tribunal de Contas
da União (TCU) e o Ministério da Educação (MEC). Neste último, a
desenvolta atuação de um dos principais integrantes da organização
criminosa, Paulo Rodrigues Vieira, então diretor da ANA, indica que os delitos
eram práticas assustadoramente comuns.
Como mostram escutas da PF feitas em março passado e noticiadas pela Folha (27/11), Paulo Vieira conseguiu de um funcionário do Ministério da Educação uma senha para entrar no sistema do órgão e modificar informações financeiras da Faculdade de Ciências Humanas de Cruzeiro (SP), pertencente à sua família, provavelmente para obter benefícios do Programa Universidade para Todos (ProUni). No diálogo interceptado, ele conversa com Márcio Alexandre Barbosa Lima, da Secretaria Especial de Regulação do Ensino Superior. "Eu tô querendo entrar aqui no MEC com sua senha", diz Paulo Vieira. Em seguida, com a maior naturalidade, ele pede: "Me fala seu CPF". O pedido é atendido por Lima. Logo depois, em outra conversa gravada pela PF, uma funcionária da faculdade diz a Paulo Vieira que, conforme suas ordens, havia alterado alguns valores em 15%, e ele manda:
"Aumenta agora 20%".
Outra ação de Paulo Vieira no MEC envolveu Esmeraldo Malheiros dos Santos, consultor jurídico do ministério que, segundo a investigação da PF, ajudou a quadrilha a obter pareceres favoráveis a faculdades ameaçadas de descredenciamento. Em e-mail enviado a Santos, Paulo Vieira cobra um parecer positivo do Instituto Nacional de Estudos ePesquisas Educacionais (Inep): "Peça para a sua amiga fazer um bom relatório e logo". No mesmo e-mail, ele sugere o pagamento de propina: "Há 20 exemplares da obra à sua disposição na minha casa na próxima semana. É para a suas leituras de férias". Os "20 exemplares" seriam R$ 20 mil, segundo a PF.
Paulo Vieira, como se sabe, entrou no governo graças ao esforço de Rosemary Noronha, que era chefe de gabinete da Presidência em São Paulo. Rose foi secretária de José Dirceu durante 12 anos. Quando Luiz Inácio Lula da Silva se elegeu presidente, em 2003, ele lhe deu emprego na representação do governo federal em São Paulo, que passou a chefiar em 2005 por ordem de Lula. Foi Rose quem indicou Paulo Vieira para a ANA e o irmão dele, Rubens Vieira, para a Anac - e um dedicado Lula forçou a nomeação de Paulo a despeito da oposição do Congresso. Segundo a PF, era Rose quem agendava as reuniões entre a quadrilha e autoridades governistas, como o governador da Bahia, Jaques Wagner, e o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel.
Em troca de empregos públicos para a
família e de mimos como um cruzeiro marítimo, Rose, que se orgulhava de sua
proximidade com Lula, tornou-se a face rastaquera de um esquema que, no
entanto, nada tem de trivial.
Como era previsível, Dilma Rousseff tratou logo de demitir os principais envolvidos, reeditando a "faxina" pirotécnica que caracterizou o início de seu mandato. Desta vez, porém, a rápida e inequívoca ação da presidente contra funcionários tão próximos de Lula decerto haverá de causar algum mal-estar na relação de Dilma com seu padrinho - que até agora não abriu a boca.
A tropa de choque governista está tentando caracterizar Rose como alguém menor, de "terceiro escalão", embora suas ligações com Lula e José Dirceu sejam antigas, firmes e inegáveis. Para o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), Rose é apenas "uma secretária", razão pela qual não deveria ser chamada a depor no Congresso. Diante do crescente acúmulo de evidências de que o escândalo mal começou, porém, essa tentativa de evitar que Rose fale mostra que ela certamente tem muito o que dizer.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 28/11/2012
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