A crise que eletrifica as relações do
Congresso com o STF há 72 horas foi fabricada numa pseudovotação que durou 1
minuto e 47 segundos (ouça aqui). Foi o tempo que a
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara levou para aprovar, na tarde de
quarta-feira, a proposta de emenda constitucional que submete algumas decisões
do Supremo ao crivo do Legislativo. O condenado do mensalão José Genoino
(PT-SP) pediu pressa: “É bom a gente votar logo.”
Apresentada pelo petista Nazareno Fonteles (PI) e relatada pelo tucano João
Campos (GO), a proposta tóxica foi
levada a voto em sessão presidida por Décio Lima (SC), também petista. Havia
outros projetos na fila. Mas os relatores ausentaram-se. “A gente segue a pauta
e espera o relator”, sugeriu Genoino. Decidiu-se inverter a ordem de
votação.
Décio Lima, um deputado ligado à ministra petista Ideli Salvatti (Relações
Institucionais da Presidência), explicou que o companheiro Fonteles já havia
requerido a inversão. E começou a ler o enunciado da proposta. Prevê que
algumas decisões do STF só valerão depois de passar pelo aval do Congresso.
Entre elas as declarações de inconstitucionalidade e as súmulas vinculantes,
editadas pelo Supremo para guiar as sentenças das instâncias inferiores do
Judiciário.
O petista Décio informou que o tucano João Campos opinara a favor da
“admissibilidade” da emenda. Significa dizer que, na opinião dele, o texto não
ofende a Constituição e respeita a boa técnica legislativa. “Há votos em
separado”, prosseguiu o presidente da sessão, referindo-se aos relatórios que
pediam a rejeição da emenda –um de Paes Landim (PMDB-PI), outro de Vieira da
Cunha (PDT-RS).
Em ritmo de toque de caixa, Décio Lima
absteve-se de pedir que fossem lidos os relatórios. Seguiu adiante: “Em
discussão o parecer do deputado João Campos.” Passou a palavra para Onofre
Santo Agustini (PSD-SC). Imaginou-se que seria aberto o debate. Engano. “Vou
apenas fazer o seguinte comentário: como é apenas votar a admissibilidade, não
vejo razão para discutir. Sou favorável à PEC”, limitou-se a dizer Onofre
Agustini.
E Décio Lima, voltando ao acelerador: “Continua em discussão o parecer. Não
havendo quem…” Súbito, o presidente percebe que Genoino deseja falar. Autoriza.
“Senhor presidente, eu já expressei que sou favorável à PEC”, diz o condenado
do STF. “E é bom a gente votar logo a admissibilidade dela.” Em ritmo de
narrador de corrida de cavalos, o companheiro Décio encaminha a emenda para a
reta de chegada.
“Continua em discussão. Não havendo quem queira discuti-la, em votação parecer
do eminente deputado João Campos. Os senhores deputados que forem favoráveis
permaneçam como se encontram. Aprovado.” Entre o “permaneçam como se encontram”
e o “aprovado” não decorreu nem o tempo de um suspiro.
Encerrado o arremedo de votação, ouve-se ao fundo a voz do tucano Eduardo
Azeredo (PSDB-MG). Réu no processo do mensalão do PSDB mineiro, à espera de
julgamento no STF, ele avisa a Décio Lima que “já chegou o realator” de outro
projeto. Pede que a sessão siga seu curso. Na linha de montagem da Comissão de
Justiça, estava fabricada a crise que, irresolvida, invadiu o final de semana.
Nesta sexta-feira, o ministro Dias Toffoli,
do STF, enviou ofício ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves
(PMDB-RN). Determinou que sejam encaminhadas à Corte, em 72 horas (a contar do
recebimento), explicações sobre o que se passou na Comissão de Constituição e
Justiça. Fez isso porque lhe coube relatar um mandado de segurança impetrado
pelo PSDB e pelo ex-PPS, agora MD.
Um dos signatário da peça, o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), vive
uma experiência paradoxal. Recorre ao STF para brecar a tramitação da proposta
que seu vice-líder, o deputado João Campos, referendou. Para Sampaio, o projeto
do petista Fonteles não é apenas inconstitucional. Trata-se de “uma aberração”.
Para o bico de Campos, é uma “ponderada contribuição”, capaz de devolver o STF
ao seu lugar. “O Supremo vem se tornando um superlegislativo”, anota o tucano
em seu parecer.
Surpreendido com a novidade, Henrique Alves conversou com o petista Décio Lima,
o presidente do desastre. Perguntou o que sucedera. Ouviu uma explicação
singela: a pauta da comissão está atulhada e ele decidiu limpar as prateleiras.
A emenda de Fonteles era de 2011. E não havia razões para sobrestá-la.
Numa tentativa de jogar água fria na fervura, Henrique Alves decidiu levar a
emenda ao freezer. Adiou por tempo indeterminado a comissão especial que teria
de ser constituída para analisar o mérito da emenda anti-STF depois que a
Comissão de Justiça considerou-a apta a tramitar.
Nesta segunda-feira, Henrique e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL),
se reunirão com o ministro Gilmar Mendes, do STF. Tentarão convencê-lo a rever
a liminar que sustou a tramitação do projeto de lei que impõe um torniquete
financeiro e de propaganda aos novos partidos. No condomínio governista, dá-se
de barato que a liminar de Gilmar foi uma reação à emenda do companheiro
Fonteles.
Há nos arquivos da Câmara um documento que mostra como nascem os desastres no
Legislativo. Antes de apresentar uma emenda à Constituição, o autor precisa
recolher as assinaturas de apoiadores. O deputado Nazareno Fonteles arrastou
para dentro de sua emenda 219 jamegões. Gente de todos os partidos –de Chico
Alencar (PSOL-RJ) a Ronaldo Caiado (DEM-GO), de Tiririca (PR-SP) ao pastor
Marco Feliciano (PSC-SP), de Renan Filho (PMDB-AL) a Zeca Dirceu (PT-PR). Em
tese, quem assina deve ler ao menos o cabeçalho da emenda. E a proposta de
Nazareno é explícita da primeira letra ao ponto final. Quer dizer: está-se
diante de um despautério coletivo.
Fonte: Blog do José Cruz - 28/04/2013
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