Congresso X STF - Crise foi fabricada em 1min47s585


A crise que eletrifica as relações do Congresso com o STF há 72 horas foi fabricada numa pseudovotação que durou 1 minuto e 47 segundos (ouça aqui). Foi o tempo que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara levou para aprovar, na tarde de quarta-feira, a proposta de emenda constitucional que submete algumas decisões do Supremo ao crivo do Legislativo. O condenado do mensalão José Genoino (PT-SP) pediu pressa: “É bom a gente votar logo.”

 São membros da comissão 130 deputados, entre titulares e suplentes. Documento oficial informa que estavam presentes 67. Lorota. A secretaria da comissão informou à direção da Câmara que o quórum restringia-se a cerca de 20 parlamentares. Os outros passaram pela comissão, assinaram a lista de presença e foram embora. Entre os que ficaram, não houve quem se animasse a debater a matéria.

Apresentada pelo petista Nazareno Fonteles (PI) e relatada pelo tucano João Campos (GO), a proposta tóxica foi levada a voto em sessão presidida por Décio Lima (SC), também petista. Havia outros projetos na fila. Mas os relatores ausentaram-se. “A gente segue a pauta e espera o relator”, sugeriu Genoino.  Decidiu-se inverter a ordem de votação.


Décio Lima, um deputado ligado à ministra petista Ideli Salvatti (Relações Institucionais da Presidência), explicou que o companheiro Fonteles já havia requerido a inversão. E começou a ler o enunciado da proposta. Prevê que algumas decisões do STF só valerão depois de passar pelo aval do Congresso. Entre elas as declarações de inconstitucionalidade e as súmulas vinculantes, editadas pelo Supremo para guiar as sentenças das instâncias inferiores do Judiciário.


O petista Décio informou que o tucano João Campos opinara a favor da “admissibilidade” da emenda. Significa dizer que, na opinião dele, o texto não ofende a Constituição e respeita a boa técnica legislativa. “Há votos em separado”, prosseguiu o presidente da sessão, referindo-se aos relatórios que pediam a rejeição da emenda –um de Paes Landim (PMDB-PI), outro de Vieira da Cunha (PDT-RS).


Em ritmo de toque de caixa, Décio Lima absteve-se de pedir que fossem lidos os relatórios. Seguiu adiante: “Em discussão o parecer do deputado João Campos.” Passou a palavra para Onofre Santo Agustini (PSD-SC). Imaginou-se que seria aberto o debate. Engano. “Vou apenas fazer o seguinte comentário: como é apenas votar a admissibilidade, não vejo razão para discutir. Sou favorável à PEC”, limitou-se a dizer Onofre Agustini.

E Décio Lima, voltando ao acelerador: “Continua em discussão o parecer. Não havendo quem…” Súbito, o presidente percebe que Genoino deseja falar. Autoriza. “Senhor presidente, eu já expressei que sou favorável à PEC”, diz o condenado do STF. “E é bom a gente votar logo a admissibilidade dela.” Em ritmo de narrador de corrida de cavalos, o companheiro Décio encaminha a emenda para a reta de chegada.


“Continua em discussão. Não havendo quem queira discuti-la, em votação parecer do eminente deputado João Campos. Os senhores deputados que forem favoráveis permaneçam como se encontram. Aprovado.” Entre o “permaneçam como se encontram” e o “aprovado” não decorreu nem o tempo de um suspiro.


Encerrado o arremedo de votação, ouve-se ao fundo a voz do tucano Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Réu no processo do mensalão do PSDB mineiro, à espera de julgamento no STF, ele avisa a Décio Lima que “já chegou o realator” de outro projeto. Pede que a sessão siga seu curso. Na linha de montagem da Comissão de Justiça, estava fabricada a crise que, irresolvida, invadiu o final de semana.


Nesta sexta-feira, o ministro Dias Toffoli, do STF, enviou ofício ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Determinou que sejam encaminhadas à Corte, em 72 horas (a contar do recebimento), explicações sobre o que se passou na Comissão de Constituição e Justiça. Fez isso porque lhe coube relatar um mandado de segurança impetrado pelo PSDB e pelo ex-PPS, agora MD.

Um dos signatário da peça, o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), vive uma experiência paradoxal. Recorre ao STF para brecar a tramitação da proposta que seu vice-líder, o deputado João Campos, referendou. Para Sampaio, o projeto do petista Fonteles não é apenas inconstitucional. Trata-se de “uma aberração”. Para o bico de Campos, é uma “ponderada contribuição”, capaz de devolver o STF ao seu lugar. “O Supremo vem se tornando um superlegislativo”, anota o tucano em seu parecer.


Surpreendido com a novidade, Henrique Alves conversou com o petista Décio Lima, o presidente do desastre. Perguntou o que sucedera. Ouviu uma explicação singela: a pauta da comissão está atulhada e ele decidiu limpar as prateleiras. A emenda de Fonteles era de 2011. E não havia razões para sobrestá-la.

Numa tentativa de jogar água fria na fervura, Henrique Alves decidiu levar a emenda ao freezer. Adiou por tempo indeterminado a comissão especial que teria de ser constituída para analisar o mérito da emenda anti-STF depois que a Comissão de Justiça considerou-a apta a tramitar.


Nesta segunda-feira, Henrique e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), se reunirão com o ministro Gilmar Mendes, do STF. Tentarão convencê-lo a rever a liminar que sustou a tramitação do projeto de lei que impõe um torniquete financeiro e de propaganda aos novos partidos. No condomínio governista, dá-se de barato que a liminar de Gilmar foi uma reação à emenda do companheiro Fonteles.


Há nos arquivos da Câmara um documento que mostra como nascem os desastres no Legislativo. Antes de apresentar uma emenda à Constituição, o autor precisa recolher as assinaturas de apoiadores. O deputado Nazareno Fonteles arrastou para dentro de sua emenda 219 jamegões. Gente de todos os partidos –de Chico Alencar (PSOL-RJ) a Ronaldo Caiado (DEM-GO), de Tiririca (PR-SP) ao pastor Marco Feliciano (PSC-SP), de Renan Filho (PMDB-AL) a Zeca Dirceu (PT-PR). Em tese, quem assina deve ler ao menos o cabeçalho da emenda. E a proposta de Nazareno é explícita da primeira letra ao ponto final. Quer dizer: está-se diante de um despautério coletivo.


Fonte: Blog do José Cruz - 28/04/2013


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