Corrupção da polícia


O cidadão suborna, a polícia chantageia – José Eduardo Cardozo não viu isso ao divulgar pesquisa encomendada pelo Ministério da Justiça
A relação entre a sociedade e o aparato policial se dá de maneira assustadora. Não é o contato civilizado entre cidadão e autoridade que deve protegê-lo. Longe disso. Não tem sido assim desde os tempos anteriores a dom João Charuto. A polícia regular, criada em 1808, a exemplo da informal que a precedia, foi orientada para reprimir os “de baixo”, arrancados da África e tornados escravos no Brasil.

Uma pesquisa do Instituto Datafolha encomendada pela Secretaria Nacional de Segurança do Ministério da Justiça, divulgada nos primeiros dias de abril e realizada em 26 estados com 78 mil entrevistas, reflete o resultado dessa origem: o alto nível de corrupção policial em todo o País. ...

O Rio de Janeiro, com 43 mil policiais militares e 10 mil civis, virou manchete ao ser apresentado como o caso exemplar. É o maior índice de corrupção policial entre todos os estados da Federação.

“Iniciativa importante, a pesquisa não se destinou a estabelecer o ranking da corrupção entre as polícias, como vem sendo lida, e sim oferecer elementos para a elaboração de políticas racionais para enfrentá-la”, diz Jorge da Silva, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), coronel aposentado da PM e, sem dúvida, um dos mais respeitados especialistas sobre violência pública.

Tanto o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, quanto a secretária Nacional de Segurança, Regina Miki, no entanto, escolheram o caminho oposto, mais fácil para transitar e ganhar espaço na mídia. Ambos sustentaram um debate sobre a expulsão de policiais militares da corporação.

Melhor expulsar? Melhor não expulsar? Esse é o problema secundário.

“O que mais importa é a revelação de que a corrupção policial é uma das chagas da nossa sociedade e que abordá-la com a batida teoria das ‘maçãs podres’ é atitude diversionista, pois equipara corporações de dezenas de milhares de integrantes a quitandas”, ironiza Silva. E justifica com uma observação que acerta a mosca:

“Há décadas, todos os governadores e autoridades da segurança têm invocado essa teoria para mostrar quão eficientes são. Ora, se o caminho se resumisse a expulsar efetivos, a polícia brasileira já seria uma das mais íntegras do mundo há muito tempo”.

Invocando o óbvio: policiais apanhados na prática de corrupção devem ser expulsos da corporação. Mas isso não resolve o problema.

“Na verdade, lutar contra esse mal de forma objetiva é empreendimento necessariamente precedido de pelo menos três indagações: 1. Qual o nível de corrupção geral existente na sociedade em que se cogita combater a corrupção policial? 2. Na relação dos policiais corruptos com suas vítimas, qual o papel do suborno? 3. Num ambiente determinado, o que estaria pesando mais: os desvios isolados de policiais com fraqueza de caráter ou a estrutura social, ou ainda os modelos gerenciais que favorecem a corrupção sistêmica?”, pergunta Jorge da Silva.

Por que a polícia militar se corrompe? Salvo desprezível índice de exceção, só se ingressa nessa instituição de 200 anos de vida com a ficha pessoal limpa. Logo depois, porém, no exercício do policiamento ostensivo, a ficha começa a ficar suja.

Com salário baixo e sujeito a pressões, o policial sucumbe ao apelo do corruptor: o cidadão. Em seguida, o corrompido passa à extorsão sobre os próprios corruptores. Esse é o óleo que faz o mecanismo girar ao contrário do que devia.

Por Mauricio Dias
Fonte: Carta Capital - 13/04/2013

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