Nas ruas, o que vale é a experiência


O erro na abordagem dos três militares do 16º Batalhão de Polícia Militar (BPM) que culminou na morte do universitário José Chaves Alves Pereira, 27 anos, acendeu o sinal de alerta sobre as atividades policiais nos quesitos do uso da força e a respeito aos direitos da pessoa abordada.

Diante da imensidão de aparatos técnicos disponíveis para o exercíco das funções de homens a serviço da segurança pública, há dificuldade em controlar e monitorar as atividades exercidas por eles. Na prática, os policiais não necessariamente regem as ações executadas por um regulamento, lei ou mesmo normas de conduta. No geral, a orientação é conduzida conforme a própria experiência na rua.

É o que revela estudo de dois professores do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Arthur Trindade e Maria Stela Grossi Porto, que analisaram o Código de conduta policial da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF).

Segundo os especialistas em estudos sobre violência e segurança, baseado em depoimentos de militares, na maioria das situações corriqueiras diárias cabe somente ao policial decidir o quanto de força física será utilizada, antes ou depois da imobilização, com presença ou não de testemunhas e havendo ou não  situações de risco.

Estatuto

A corporação é regida, entre outras normas, pelo Estatuto da Polícia Militar do Distrito Federal, que prevê responsabilidades, direitos e  deveres de todos os seus integrantes. Há quase 16 anos, inclusive, foi criado o Código de Ética Policial, onde estão evidenciados princípios e valores que orientam a atividade de policiamento e conduta dos policiais.

Procedimentos

No entanto, de acordo com o levantamento da pesquisa dos dois professores, 145 artigos do Estatuto deixam de contemplar a relação dos procedimentos profissionais com a sociedade. “As prescrições, de caráter normativo, concentram-se fundamentalmente em organização interna da polícia, definições gerais e direitos e obrigações dos policiais militares. Os artigos que tratam dos aspectos organizacionais da instituição são os mais numerosos”, aponta o estudo.

Já no que se refere ao Código de Ética, os pesquisadores revelam que “no capítulo que trata dos deveres, fala-se em atividade policial, em serviço, e não em profissão policial. Além de preferir o termo atividade policial, o código, quando faz menção à profissão, o faz de modo absolutamente vago”.

Orientações são muito vagas

Os especialistas apontam que no momento de uma especificação clara e objetiva sobre o uso da força, o caráter de definição se torna vago tanto no Código de Conduta quanto em manuais em uso da PMDF a partir de expressões como “atuar oportunamente”, “cumprir a lei com cortesia sem empregar força ou violência desnecessária” e “se dedicar à profissão escolhida”.

Segundo Trindade e Maria Stela, “no que diz respeito ao uso da força, não se diz como os policiais deveriam proceder. Na seção que trata de armamento e tiro, verifica-se uma série de conteúdos técnicos sobre os tipos de armas, seu histórico e especificidades. Não há nenhuma prescrição sobre quando e como usar o armamento. O mesmo pode ser dito quanto à abordagem policial, à conduta com presos, a perseguições motorizadas e à violência doméstica.”

Além disso, o policiamento ostensivo, principal atividade da Polícia Militar, não conta com um manual específico que apresente orientações claras aos policiais de como proceder. Para Trindade e Maria Stela, embora existam manuais, concretamente eles não fazem parte do dia a dia da prática policial, orientando condutas.

“Não funcionam como a 'Bíblia' do policial militar. Dito de outro modo, não se incorporam como valores, como padrão de comportamento, ou ainda como novas posturas profissionais. Enquanto não se puder pensar a profissão e o conceito de profissionalismo a partir de valores, saberes e práticas (perspectiva foucaultiana das relações intrínsecas entre "saber e poder") que orientem a conduta policial, sobretudo no momento em que a ação rápida exige os condicionamentos necessários, estaremos no domínio do senso comum e do bom senso. Situação esta que remete ao arbítrio do ator a decisão sobre a melhor forma de agir, no momento do exercício da profissão”, alega.

Fonte: Isa Stacciarini
isa.coelho@jornaldebrasilia.com.br

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