O dinheiro foi destinado ao pagamento
de artistas contratados sem licitação. Alguns cantores receberam até quatro
vezes mais do que o habitual
Publicação: 29/05/2013
12:50 Atualização: 29/05/2013 14:31
Uma das
cidades mais pobres do Distrito Federal teve uma festa e tanto neste ano.
Esbanjou. Não houve parcimônia para comemorar, em março, o oitavo aniversário
do Itapõa, região carente de serviços públicos como delegacia de polícia e
hospital. A administração regional gastou R$ 1.050.000 com cachês de shows de
artistas que, em outras cidades, cobraram até quatro vezes menos. Dessa bolada,
R$ 400 mil foram destinados apenas à apresentação de Amado Batista. O cantor
romântico recebeu bem acima do que costuma cobrar pelo Brasil afora. Em
setembro do ano passado, o município de Itapeva (SP) pagou R$ 135,6 mil para
receber o sertanejo. Levantamento do Correio indica que Amado Batista faturou
em média R$ 150 mil, nos últimos dois anos, cada vez que subiu no palco a
convite de alguma prefeitura.
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Em gravações que vieram à tona com as investigações da Operação Monte Carlo, o
prefeito de Palmas, Raul Filho (PT) admitiu ter recebido dinheiro do bicheiro
Carlos Cachoeira para o encerramento da campanha em 2004. A ajuda financeira,
declarou depois o petista, era o pagamento do cachê de Amado Batista. Mesmo
nessa situação, o valor foi bem abaixo da transação feita pela Administração do
Itapoã. Compositor de canções como Princesa, Meu ex-amor e Amor perfeito, o
artista manteve o padrão do valor cobrado. Em maio do ano passado, fez uma
apresentação em Cantagalo, na região serrana do Rio de Janeiro, por R$ 132 mil.
As informações constam do diário oficial desses municípios.
Outros
cantores também receberam cachês acima dos valores de mercado no aniversário do
Itapoã. A dupla João Lucas e Marcelo, que ficou conhecida pelo hit Eu quero
tchu, eu quero tcha, levou R$ 250 mil na apresentação única. Em dezembro do ano
passado, eles fizeram um show em Palmas (TO) por R$ 79,4 mil. Pouco antes, se
apresentaram em Goiânia por R$ 65 mil. O espetáculo, justamente na época em que
a dupla estava no auge do sucesso, custou quatro vezes menos que o valor pago
em março pela generosa Administração do Itapoã. Os critérios para remunerar os
artistas foram definidos pelo governo em negociação com a iniciativa privada,
ou seja, não passaram por uma seleção em que houvesse uma avaliação de proposta
mais vantajosa.
As contratações ocorreram sem licitação, por intermédio da Mundo Tour Agência
de Viagens, sediada no Hotel Nacional. A empresa que negocia pacotes turísticos
foi a responsável pelo cachê de Amado Batista, de João Lucas e Marcelo e de
outras duas atrações: Bruno e Marlow e Joaninha Motocross. Para justificar a
dispensa de licitação, a firma se declarou representante exclusiva desses
artistas. No total, a Mundo Tour recebeu R$ 784 mil só para levar os músicos à
festa no Itapoã.
A agência de viagens ganhou R$ 60 mil do governo para pagar o cachê da dupla
Bruno e Marlow. Em 2012, os músicos participaram de uma festa organizada pelo
próprio governo com valor bem menor. A Administração Regional de Brazlândia
pagou R$ 15 mil, quatro vezes menos, a fim de ter os cantores numa festa da
cidade. No ano anterior, o mesmo valor foi pago pela Secretaria de Cultura para
uma apresentação de Bruno e Marlow no Paranoá. Nesses casos, as empresas que se
diziam representantes exclusivas da dupla eram outras.
O administrador do Itapoã, Donizete dos Santos, foi indicado pelo deputado federal Ronaldo Fonseca (PR-DF) — que
compareceu à festa de aniversário da região e teve a presença anunciada ao
microfone pouco antes da entrada de Amado Batista no palco. Donizete já foi
subsecretário do Entorno, chefe de gabinete da Administração do SIA e diretor
de Atendimento ao Usuário do Detran. Trabalhou na campanha do pastor Ronaldo
Fonseca e, em agosto do ano passado, faturou o cargo no governo. Quatro meses
depois da posse do novo administrador, a Mundo Tour promoveu o Rodeio Show,
circuito de Barretos (SP), ao custo de R$ 340 mil. No GDF, a empresa embolsou
R$ 1,2 milhão nos últimos dois anos — 90% saíram da conta da Administração do
Itapoã para os dois eventos.
Segundo informou a coluna Eixo Capital, na edição de domingo, a Divisão de
Repressão a Crimes contra a Administração Pública (Decap) da Polícia Civil do
DF abriu oito inquéritos apenas este ano para investigar irregularidades na
promoção de festas com indícios de superfaturamento na administração pública.
Sem infraestrutura
O valor gasto com a festança é quase metade do investimento para construção do
centro de saúde da cidade, que custou R$ 2,3 milhões. A primeira Unidade de
Pronto-atendimento ainda é uma promessa para o segundo semestre. A despesa com
as apresentações seria suficiente para construir pelo menos três quadras
poliesportivas no Itapoã. A cidade carece de benefícios sociais. Trata-se da
segunda mais pobre do Distrito Federal. A renda média mensal, de R$ 762,87, só
ganha da Estrutural e é 15 vezes menor que a do Lago Sul.
A assessoria de imprensa da Administração do Itapoã informou que Donizete dos
Santos está fora da cidade e, por isso, não poderia comentar sobre os gastos
com o aniversário da cidade. Segundo a assessoria, os valores pagos a Amado
Batista e à dupla João Lucas e Marcelo são mais altos do que os contratos de
outras prefeituras porque os artistas fizeram apresentações mais longas e sem
playback. A Mundo Tour deu justificativa semelhante. Segundo a agência, o cachê
de Amado Batista é superior ao cobrado em outros municípios porque o evento
durou três horas e meia. Segundo a empresa, esse valor também inclui a diária
de hotel para 20 integrantes da banda do músico.
Tortura nunca mais
Amado Batista protagonizou outra polêmica nesta semana. Em entrevista à
apresentadora Marília Gabriela, o artista comparou as torturas praticadas na
ditadura militar a castigos de criança e disse ter merecido o sofrimento que
lhe foi imposto pelos torturadores. A jornalista reagiu: “Você está louco,
Amado?”. A declaração repercutiu mal nas redes sociais e entre familiares de
vítimas da ditadura.
Variação
Confira outros shows de Amado Batista contratados por
prefeituras municipais, com valores até cinco vezes mais
baixos do que o pago pela Administração Regional do Itapoã:
» Prefeitura de Itapeva (São Paulo)
Setembro
de 2012
Valor: R$
135,6 mil
» Prefeitura de Taguatinga (Tocantins)
Agosto de
2012
Valor: R$
150 mil
» Prefeitura de Guarapuava (Paraná)
Julho de
2012
Valor: R$
174,8 mil
» Prefeitura de Barreiras (Bahia)
Julho de
2012
Valor: R$
200 mil
» Prefeitura de Lambari D'Oeste (Mato Grosso)
Junho de
2012
Valor: R$
160 mil
» Prefeitura de Itumbiara (Goiás)
Junho de
2012
Valor: R$
130 mil
» Prefeitura Municipal de Cantagalo (Rio de Janeiro)
Show
realizado em maio de 2012
Valor: R$
132 mil
» Prefeitura de Feira de Santana (Bahia)
Setembro
de 2011
Valor: R$
160 mil
» Prefeitura de Vila Pavão (Espírito Santo)
Agosto de
2011
Valor: R$
173,5 mil
» Prefeitura de Itamarandiba (Minas Gerais)
Julho de
2011
Valor: R$
140 mil
» Prefeitura de São José dos Quatro Marcos
Show
realizado em agosto de 2010
Valor: R$
73 mil
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