Inquérito Policial Militar indicia oito bombeiros por incêndio na Kiss

Incêndio em janeiro, na casa noturna de Santa Maria, matou 242 pessoas. Investigação durou mais de quatro meses; 699 depoimentos foram tomados.
Inquérito gerou documento de 7 mil páginas sobre a tragédia (Foto: Tatiana Lopes/G1)

Depois de mais de quatro meses de investigação, o Inquérito Policial Militar (IPM) que investiga a atuação de integrantes do Corpo de Bombeiros e da Brigada Militar indiciou oito bombeiros pelo incêndio na boate Kiss, em Santa Maria. O documento foi entregue na manhã desta quarta-feira (12) ao comandante-geral da Brigada Militar, coronel Fábio Duarte Fernandes, em Porto Alegre. A tragédia matou 242 pessoas. A investigação isenta os bombeiros de responsabilidade pelas mortes na boate.
Foram indiciados por inobservância da lei, regulamento ou instrução: capitão Alex da Rocha Camilo, sargento Renan Severo Berleze, sargento Sérgio Roberto Oliveira de Andrades, soldado Marcos Vinícius Lopes Bastide, soldado Gilson Martins Dias, soldado Vagner Guimarães Coelho. O tenente-coronel Moisés da Silva Fuchs foi indiciado por condescendência criminosa. O sargento Roberto Flávio da Silveira e Souza foi indiciado por falsidade ideológica.

A partir de agora, o comandante-geral da BM analisará o inquérito e poderá concordar, discordar ou concordar parcialmente. Em até 15 dias, remeterá à Justiça Militar Estadual, na Auditoria Militar de Santa Maria.

Desde o começo dos trabalhos, 44 pessoas foram investigadas. De acordo com o coronel Flávio da Silva Lopes, que coordenou o inquérito, o documento foi elaborado a partir de 699 depoimentos, tomados entre os dias entre 30 de janeiro, três dias após a tragédia que causou 242 mortes, e a segunda-feira (10). Os autos do inquérito têm 7 mil páginas, divididas em 35 volumes.
Sobre os jovens que morreram quando entraram na boate para tentar resgatar outras pessoas, o coronel Flávio afirmou que seria impossível para os bombeiros naquele momento impedir a entrada. "As pessoas fizeram o possível para socorrer amigos, familiares, conhecidos. Muitos se valeram de orientação dos bombeiros e conseguiram salvar pessoas. Naquele momento caótico, os bombeiros estavam fazendo sua tarefa de socorrer vítimas. Se eles largassem mangueiras para impedir essas pessoas de entrarem, menos seriam salvos", afirmou.

A divulgação do inquérito foi acompanhada por integrantes da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM). A convite da Brigada Militar, 10 familiares viajaram de Santa Maria a Porto Alegre com faixas e cartazes lembrando as vítimas. Desde a soltura dos sócios da boate Kiss e dos integrantes da banda Gurizada Fandagueira, o grupo intensificou os protestos.

Foram investigados tanto a questão da concessão de alvarás e fiscalização do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) quanto o atendimento aos feridos na tragédia.

Os indiciamentos

1) Art. 324 do CPM: Inobservância de lei, regulamento ou instrução.
Indiciados: capitão Alex da Rocha Camillo, sargento Renan SeveroBerleze, sargento Sérgio Roberto Oliveira de Andrades, soldado Marcos Vinícius Lopes Bastide, sodado Gilson Martins Dias e soldado Vagner guimarães Coelho.
Explicação: Deixar, no exercício de função, de observar lei, regulamento ou instrução, dando causa direta à prática de ato prejudiial à administração militar.
Pena: Se for praticado por tolerância, a detenção é de até seis meses. Se for praticado por negligência, suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função de três meses a um ano.

2) Art. 322 do CPM: Condescendência criminosa.

Indiciado: tenente-coronel Moisés da Silva Fuchs.*
Explicação: Deixar de responsabilizar subordinado que comete infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente.
Pena: Se for praticado por indulgência, a detenção é de até seis meses. Se for por negligência, detenção de até três meses.

*Segundo o coronel Fábio Duarte Fernandes, Fuchs foi incluído no inquérito por uma situação anterior ao incêndio na Kiss, em que ele não apontou irregularidade ao analisar o caso do militar que tinha uma empresa que prestou serviço à boate. A irregularidade foi constatada posteriormente. Como agora foi apurada a conduta de falsidade ideológica, ele entrou no inquérito.

3) Art. 299 do Código Penal Brasileiro: Falsidade Ideológica, e Art. 47 da Lei de Contravenções Penais: Exercício ilegal da profissão ou atividade.
Explicações: Omitir, em documento público u particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre o fato juridicamente relevante (Art. 299 do CPB). Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício.
Penas: reclusão de um a cinco anos e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos e multa, se o documento é particular. Se o agente é funcionário público, e comete crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte. A pena para o Art. 47 da LCP é simples, de reclusão de 15 dias a três meses, ou apenas multa.


Entenda

O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, resultou em 242 mortes. O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco.

O inquérito policial indiciou 16 pessoas criminalmente e responsabilizou outras 12. Já o MP denunciou oito pessoas, sendo quatro por homicídio, duas por fraude processual e duas por falso testemunho. A Justiça aceitou a denúncia. Com isso, os envolvidos no caso viram réus e serão julgados. Dois proprietários da casa noturna e dois integrantes da banda foram presos nos dias seguintes à tragédia, mas a Justiça concedeu liberdade provisória aos quatro em 29 de maio.

As primeiras audiências do processo criminal foram marcadas para o fim de junho. Paralelamente, outras investigações apuram o caso. Na Câmara dos Vereadores da Santa Maria, uma CPI analisa o papel da prefeitura e tem prazo para ser concluída até 1º de julho. O Ministério Público ainda realiza um inquérito civil para verificar se houve improbidade administrativa na concessão de alvará e na fiscalização da boate Kiss.
Veja as conclusões da investigação

- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso no palco
- As faíscas atingiram a espuma do teto e deram início ao fogo
- O extintor de incêndio do lado do palco não funcionou
- A Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás
- Havia superlotação no dia da tragédia, com no mínimo 864 pessoas
- A espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular
- As grades de contenção (guarda-corpos) obstruíram a saída de vítimas
- A casa noturna tinha apenas uma porta de entrada e saída
- Não havia rotas adequadas e sinalizadas de saída em casos de emergência
- As portas tinham menos unidades de passagem do que o necessário
- Não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas

Fonte G1-RS

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