PEC que desmilitariza e unifica as polícias está em análise na CCJ do Senado

Por João Peres publicado 04/10/2013 11:22

Porto Alegre – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 51, de 2013, que institui a desmilitarização e unificação das policiais estaduais no Brasil, está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A iniciativa do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) foi protocolada no dia 24 de setembro e aguarda relatório do senador Humberto Costa (PT-PE) na CCJ.

A PEC 51/2013 também estabelece a criação de uma Ouvidoria externa para as policiais e confere autonomia para que os estados decidam qual modelo de policiamento adotar, desde que a força policial seja civil e de ciclo completo – ou seja, que uma mesma corporação realize as funções de policiamento ostensivo e de investigação.

Especialistas ouvidos pelo Sul21 consideram que a proposta pode pautar um debate nacional a respeito da desmilitarização da Polícia Militar. Entretanto, entendem que somente a desmilitarização, por si só, não irá resolver todos os problemas que afetam as corporações policiais, nem garantir à sociedade que a polícia se torne uma força pública mais democrática e que respeite a cidadania.

O texto da PEC foi elaborado em conjunto com o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública. A reportagem entrou em contato com a equipe do senador Lindbergh Farias, que, até o fechamento desta edição, não retornou a ligação.

Tenente da Polícia Militar (PM) da Bahia, estudante de Filosofia e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Danilo Ferreira observa que a PEC 51/2013 reúne em seu texto diversas outras propostas que já tramitam no Congresso Nacional. Para ele, a desvinculação das PMs em relação às Forças Armadas é positiva. “É algo muito reivindicado e esperado pela grande maioria dos policiais militares do Brasil. A vinculação das PMs às Forças Armadas submete o policial ao código penal militar e faz com que deixemos de ter direitos que qualquer outro indivíduo tem”, explica.

Ele cita como exemplo o fato de que policiais militares não possuem direito a greve. E também critica a “limitação à liberdade de expressão” nos quartéis. “Eu sou policial e minha função é garantir a cidadania das pessoas. É uma contradição que a minha própria cidadania seja limitada”, critica.

Entretanto, o tenente afirma que não será somente uma mudança de nome que irá tornar a polícia desmilitarizada. “A formação do policial militar ainda está ligada a uma espécie de ethos de guerreiro. O policial socialmente positivado é aquele que está pronto para o combate, como se fosse um militar indo à guerra”, lamenta.

Para Danilo, a conduta autoritária e truculenta das polícias militares durante as manifestações é fruto desta mentalidade. “Flagramos policiais imbuídos de uma lógica militarista, bélica e repressiva quando precisam lidar com questões que envolvem necessidade de negociação e diálogo. Essa mentalidade pode permanecer, mesmo com a desmilitarização. Nossas policiais civis e guardas municipais não são militarizadas e agem da mesma forma. Não é somente a estética militar que implica em uma postura repressora”, compara.

“É preciso acabar com dependência da PM pelo Exército”, defende Guaracy Mingardi Cientista político, especialista em Segurança Pública e ex-secretário municipal da área em Guarulhos, Guaracy Mingardi defende a estruturação de diversas polícias por estado – ainda que com um único comando político. Ele entende que um modelo que dê mais liberdade às unidades da federação facilita o controle sobre as corporações.

“Se o estado de São Paulo tiver apenas uma polícia, ela terá 140 mil pessoas, o que a tornaria inviável”, entende. Para ele, o modelo inglês serve como um bom exemplo. “Lá, a polícia é uma só, mas os comandos são regionais. Todos possuem uma mesma carreira e uma mesma chefia política, mas existem diferentes policias por região”, complementa.

Guaracy acredita que a principal conquista da desmilitarização será a retirada do poder que o Exército possui sobre as PMs de todo o país. “Existe uma Setoria-Geral das policias militares em Brasília, sob comando do Exército. Isso transforma a PM em uma força auxiliar do Exército. É preciso acabar com essa dependência”, cobra. Ele também defende o fim da Justiça Militar, que ainda existe no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e em São Paulo.

Professor de Direito na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em Policiamento Comunitário e Segurança Urbana, Teodomiro Dias Neto afirma que a PEC 51/2013 tem o mérito de “propor um modelo alternativo de polícia ao país”. Para ele, a criação de uma força de ciclo completo “é essencial”. “A PM e a Polícia Civil atuam de forma pouco cooperativa e, muitas vezes, até prejudicial”, pontua.

A PEC estabelece a criação de uma Ouvidoria externa para apurar abusos cometidos pela polícia. Entretanto, não fica claro se serão mantidas estruturas internas de correição. Atualmente, cada corporação possui sua própria corregedoria, em um sistema onde os próprios colegas se investigam.
“As policias dos Estados Unidos e de países da Europa possuem instrumentos de controle internos e externos bastante fortes. Não podemos ter a pretensão de que a polícia será controlada somente de fora para dentro”, analisa o professor Teodomiro Dias Neto.

Para ele, o modelo adequado de controle é “piramidal” e deve incentivar os mecanismos internos. “O formato institucional de uma corregedoria é uma discussão importante. É essencial ter uma boa estrutura de controle interno, o que não significa prescindir de controles externos”, observa.

O tenente da PM baiana Danilo Ferreira afirma que as corregedorias internas das corporações “não são suficientes”. “Imagina eu ter que investigar o indivíduo que trabalha comigo na viatura. Por mais probo que eu possa ser, sempre há, no mínimo, um desconforto com essa situação. Qualquer profissional lidaria com isso de maneira bastante complicada”, avalia.


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