A síndrome da ineficiência da segurança
pública – De onde viemos e pra onde caminhamos? 100
mil homicídios 6.000.000 de roubos por ano! Estamos no caminho certo? Afinal,
que polícia a sociedade brasileira quer? A verdade contada por “um rebelde
policial”!
Breves esclarecimentos acerca da PEC 51. Texto
destinado aos alunos da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul por ocasião do III Simpósio de Segurança Pública do Estado
Palestrante: Murilo de Oliveira – Agente de Polícia
Federal
Indignação! Utilizando-nos da linguagem em
sua função metalinguística poderíamos defini-la como um sentimento de cólera ou
de tristeza, excitado por uma afronta, uma ação vergonhosa ou uma injustiça
frisante. Muito pouco porém quando tal substantivo é contextualizado no país da
farsa. E esse país tem nome. Chama-se Brasil. Posta- se a sociedade indignada
frente aos também (mas não só!) recentes escalabros produzidos pelos
responsáveis pelo serviço de segurança pública no país. Sim, serviços, pois
segurança pública é, antes de um direito de todos, um serviço público. E
serviço público não pode ser confundido com poder público, cuja inversão de
valores é inevitavelmente responsável por um massacre ideológico social em um
país com ares cada vez mais fascistas. Mais que isso! Um poço de inoperância e
ineficiência. Resolvi escrever o que talvez seja muito mais um remédio
destinado à garantia de minha sanidade mental do que propriamente trazer uma
solução social, mesmo que a vontade se aproxime de um gigantismo imponderável.
Para expor tamanhos desmandos e explicar porque a Segurança Pública encontra-se
falida, terei que queimar um pano de fundo avassalador, que se traduz
notadamente na manutenção de privilégios e uma sangrenta guerra de vaidades.
Adianto, desde já, que será a luta da razão
contra a força, que dentro de mim já ocorre há tempos. Cônscio também de que
mundo ideal e mundo real nunca se confundiram, mas enquanto acreditar naquilo
que luto seguirei mesmo que só! Desde já me desculpo frente à Baltazar Grácian,
escritor espanhol, que em seus proféticos aforismos na arte da prudência,
sempre afirmou não competir a um homem falar de si mesmo, já que cometerá
inevitavelmente um de dois erros: o da falsa humildade ou da mera soberba. Mas
será impossível não falar de mim. Esse texto se confunde com minha própria
vida. Com minha própria história. Com minhas experiências. Com minhas
circunstâncias. “Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela,
não me salvo a mim”, conforme recitava Ortega Y Gasset. Afinal a
sociedade já não aguenta mais conviver em um país onde ter razão e ser feliz
parecem não juntos caminhar. A bem da verdade, eu também já não aguento mais
assistir passivo o divórcio entre o Estado e a Nação, relembrando o sempre
respeitável Senador Pedro Taques em um de seus pronunciamentos em Plenário!Pois
bem, preciso me apresentar. Atualmente exerço o cargo de agente policial
federal, tendo sido também oficial policial militar da PMDF, lotado por alguns
anos no Batalhão de Operações Especiais e oficial militar do Exército
Brasileiro por mais alguns. E já se vão quase 15! Talvez tenha legitimidade
para dizer o que trarei nesse texto. Talvez não! Mas é inconteste que tenho que
me revestir de coragem pra abordar assuntos tão sensíveis, afinal como Ricardo
Balestreri afirma “a muitos interessa uma polícia forte pra baixo e fraca pra
cima!”. Mas coragem em uma democracia é mesmo isso, ou seja, é justamente se
insurgir, mesmo que só, contra uma instituição quando ela esta claramente
equivocada em seus propósitos, atendendo à interesses no mínimo obscuros.
Simples assim! Nessa esteira, tanto no exercício de uma sonhada polícia cidadã
militar (quanto paradoxo!) quanto no exercício de funções de polícia judiciária
da União, ouço desde sempre falar em assuntos que, durante tempos “tensos” como
os vividos, com o abandono absoluto do Estado em seus deveres públicos, voltam
à baila como nunca. Ora, por tais razões (óbvias!) é tão inerte e omisso
o Estado brasileiro em promover uma revolução na arquitetura institucional da
segurança pública. Mas com o início da tramitação da recente PEC 51/2013 a
discussão inevitavelmente tomará corpo e de forma imperiosa a sociedade terá
que se posicionar sobre seus desejos quanto à segurança pública. Sim! Que
polícia a sociedade brasileira quer afinal de contas?
Por economia de espaço, mesmo contrário ao
movimento “Lei e Ordem” defendido à duras penas (duras mesmo!) por George
Kelling que parece sempre assombrar a sociedade quando governada por
regimes ditatoriais, mesmo que de forma transversa, não irei me alongar quanto
à importância de uma instituição policial eficiente (tenha ela o nome que
tiver), já que é garantidora de um dos pilares básicos de um Estado Democrático
de Direito, a segurança. Sei também que segurança pública não se finda na
polícia. É só um dos componentes do processo. Sim amigos, a vivência nessa
seara aos poucos me transforma quase em um adepto ao abolicionismo penal, mesmo
ciente de que os problemas só mudarão de roupa. Tudo é ineficiente. Tudo não
funciona! Aliás, retifico: tudo funciona sim, exatamente como foi delineado.
Feito pra não funcionar! Ocorre que o ano é 2013 e o século é o XXI senhores.
Ora só me resta então duvidar que o Direito Penal é mesmo uma ciência, já que,
se de forma conceitual e sintética, ciência é a confirmação de uma hipótese, comprovada
por inúmeros experimentos científicos, então só posso imaginar que, ou tudo
funciona perfeitamente e alguém tem plena convicção de que o atual sistema das
polícias brasileiras é efetivo ou o Direito Penal não é mesmo uma ciência e sim
uma falácia. Uma falácia proposital, que garante a manutenção do “status quo
social”, selecionando covardemente os indesejados e os lançando a própria sorte
dentro de depósitos humanos (alguns chamam também de presídios!) que, longe de
regenerar ainda agravam e qualificam sua torpeza! Que adotemos então o discurso
nazista. Um discurso que, se longe de ser justo, ao menos foi sincero. Que
digamos então que queremos vingança! Mas que não nos alimentemos desse discurso
hipócrita de prevenção primária, ressocialização, blá, blá, blá….Posso então,
ao que me parece, concluir que os números só irão piorar se alguém não “meter a
mão” pra arrumar toda essa bagunça! Parafraseando o simbólico Capitão
Nascimento: “-Ainda vai morrer muita gente nessa guerra!”
Passarei então a pontuar os mais notórios
pontos na redação da PEC 51 para o conhecimento dos que ainda a desconhecem.
Obviamente analisarei o texto inicial, embora passível de correção de
imprecisões e de eventuais falhas da proposta. Em suma a PEC 51/2013 propõe a
desmilitarização, polícias de ciclo completo organizadas por territórios ou
tipos criminais, carreira única no interior de cada instituição, maiores
responsabilidades para a União e os municípios, controle externo com ampla
participação social. Entrementes polícia é definida como instituição destinada
a garantir direitos, comprometida com a vida, a liberdade, a equidade. E as
mudanças dar-se-ão ao longo de um tempo suficientemente elástico para evitar
precipitações. Por óbvio serei limitado pela minha compreensão e por tudo o que
já vivi. Mas pra isso vim aqui. Vamos lá.
Inicialmente é inevitável discorrer sobre a
necessidade de desmilitarização das polícias militares. Se a PEC for aprovada,
estará decretado o fim do sistema institucional que a ditadura nos legou e que
tem impedido a democratização do país, nesse campo tão sensível e estratégico,
sobretudo para os grupos sociais mais vulneráveis. Se a PEC for acolhida,
estará iniciado o desmonte das tenazes que a ditadura deixou plantada no
coração da democracia brasileira. “Estará aberta a porta para a transformação
profunda das culturas corporativas que impedem a identificação dos agentes da
segurança pública com os valores da cidadania”, diz o principal articulador de
tal proposta, Luiz Eduardo Soares. Como exigir que profissionais diariamente
vilipendiados em sua cidadania dentro de quartéis de polícia a defendam nas
ruas, junto ao destinatário de seus serviços? Como exigir de um diariamente
violentado policial, impedido de manifestar suas expressões e pensamentos, seja
um defensor de tais propósitos, sobretudo em manifestações sociais que por ora
assolam o país? Como exigir que tais profissionais que sequer possuem direitos
trabalhistas de lutar por condições mais dignas de trabalho possam defender o
direito de quem os faz? Como considerar que um jovem de 20 anos formado em uma
Academia de Polícia Militar utilizar de experiência na coordenação de policiais
com às vezes mais de 30 anos (eu disse 30 anos!) de serviço. Acreditem ou não,
eu já fui um desses jovens um dia e sei bem que só por milagre isso pode dar
certo.
Por simples honestidade intelectual é
razoável que não pode a sociedade esperar muito de um sistema tão covarde e
cruel contra seus próprios membros. Certamente os maiores beneficiados de vil
sistema lutarão até a morte para sua manutenção. Sem problemas, estão todos
convidados ao debate, pois crescemos mesmo é no dissenso e não no consenso.
Destarte, se em um grupo de dez pessoas todas elas tem a mesma opinião penso
que nove delas são desprezíveis sob o viés do debate, já que a elas só caberá
dizer amém! Mas que não façam do primado das hipóteses algo superior aos fatos,
pois seria se apegar primeiramente a uma decisão e só então buscar
justificá-la. Tudo e todos perdoados em todas as suas posições desde que se
empenhem na tentativa de construir um país melhor. Quanto ainda estamos longe!
Então me venha uma casta (ou oligarquia se preferirem!) se defender com escudos
frágeis, justificando suas posições arcaicas em cima de hierarquia e
disciplina. Não me venham com o discurso pobre de que somente cumprem ordens.
Ora os policiais nazistas também só cumpriam ordens não é mesmo? Devemos então
perdoá-los? O debate está aberto. E mais. A sociedade está convidada a se
posicionar, assim como foi na derrocada da famigerada PEC 37. Mas espero mesmo
que os objetivos das antíteses da PEC 51 que surgirão sejam tão somente de
construção de uma sociedade melhor e mais justa. Pra dizer a verdade já nem
espero tanto a essa altura. Seria muita pretensão da minha parte. Ficaria feliz
apenas com uma sociedade menos violenta. Afinal a desilusão nada mais é do que
a visita da verdade não é mesmo?
Cumpre esclarecer que uma polícia
desmilitarizada em nada se aproxima de uma polícia desarmada. É sobremodo
importante assinalar que não se trata de abolição de meios operacionais e sim
de transformação de valores norteadores na busca do fim proposto. Os fins não
podem justificar os meios na segurança pública. É muito perigoso adotarmos tal
discurso já que a opção de política criminal parece ter afastado quase que por
completo a adoção de um Direito Penal do Inimigo há tempos. Embora pareça
sempre ressoar em busca de resultados, enterrando direitos e garantias
individuais que foram à duras custas construídos durante séculos. Iria até mais
longe, utilizando-me de um brocardo social: “Violência gera violência e o uso
do cachimbo faz da boca torta!”.
O discurso do medo propositalmente implantado no nosso povo (grande
parte das vezes alienado!) por parte de nossas autoridades não se perpetuará
por muito tempo mais. Assim espero. Não quero ser amedrontado! E mais. Exijo
eficiência! Mas o ponto em questão é a cultura e a hierarquia às quais os
militares (ou policiais?) são submetidos em seu treinamento, nos moldes das
Forças Armadas. Militares são treinados e preparados para defender o país
contra inimigos. Ao menos era isso que me ensinavam no Exército! A hierarquia
militar é propícia a abusos e normalmente eles ocorrem. É uma postura
radicalmente diferente de quem vai lidar com o próprio povo. Nós não estamos em
guerra. Sobretudo contra nós mesmos. E uma polícia “contra” o povo só faz
sentido em ditaduras. Nós também não estamos em uma, estamos? Me lembro bem de
minhas reflexões durante as madrugadas de serviço, logo na entrada do século
(parece que foi ontem!) me questionando a todo tempo (apenas a mim! Jamais me
seria permitido questionar um superior). Àquela época as reflexões eram de
menor profundidade mas não menos inquietantes. Porque tinha que andar durante
meses com os braços pra trás dentro de uma Academia de Polícia? Por que perdi
finais de semana de minha vida e convivência com minha família simplesmente por
“sentenças” (anotações) de superiores hierárquicos (ou seriam deuses?)
“ter deixado partículas de poeira suspensas no ar quando responsável da faxina
de dia”? No mesmo diapasão as munições eram racionadas quando íamos para o
estande de tiro treinar. É essa a polícia que a sociedade espera para lhe
proteger? Rusticidade e resiliência a qualquer preço? Penso que não. Talvez seja
eficaz contra o inimigo. Contra o cidadão não.
Posta-se
assim, de forma direta, a questão: polícias militarizadas não se coadunam com o
Estado Democrático de Direito. Muitos amigos (amigos mesmo!) podem estar
se afirmando: “- Ah, agora que está fora é fácil!” Não discordo. Realmente é
mais fácil. Muito mais fácil aliás. E pra tornar mais fácil pra vocês também
luto por mudanças. Mudanças….ahhhh mudanças….como o ser humano é resistente a
mudanças não é mesmo? Mas prefiro me alinhavar à Raul Seixas, pois também
prefiro ser uma velha metamorfose ambulante do que …! Mas sabem, elas acontecem
sim e apenas por amor ao debate e paixão pela segurança pública continuarei a
escrever, pois talvez sequer serei ouvido. Sou somente uma voz na multidão
tentando inflamar o debate. E é exatamente isso mesmo. Mas preciso manter minha
integridade mental e manifestar minhas opiniões. A vida é feita de opções e
escolhas. E optei por um caminho que pudesse simplesmente pensar com minha
própria consciência, mesmo que em momentos excepcionais. Ademais o indivíduo
sempre lutou para não ser absorvido por sua tribo. Quando o fazemos e
conseguimos nos vemos sozinhos com frequência e, às vezes até assustado. Mas o
privilégio de ser você mesmo e defender aquilo que você acredita não tem preço.
Quando se toma as suas próprias decisões passamos a ser senhor do seu destino.
A isso denominamos liberdade de expressão!
O ranço bélico que existe na PM está em
superexposição desde o início das manifestações sociais. A falta de critérios
para utilização de armas “não letais” (durante anos fui instrutor em curso de
operações especiais de tal grade e aqui me arvoro no direito de dizer que sei
bem o que estou falando), a gratuidade da violência, a truculência figadal, as
táticas de emboscada. A atitude de colocar a tropa de choque, bombas de gás e
balas de borracha ao lado de manifestantes já incita a tensão por seu caráter
repressor. Em todas as ocasiões em que o exibicionismo da força militar esteve
ausente, não houve bagunça, baderna, vandalismo, chamem como quiserem. Não é
coincidência. Somado a atitudes autoritárias (e ilegais) como a detenção “para
averiguação” que vem ocorrendo sistematicamente, temos um quadro que exige a
revisão desse obsoleto artigo 144 urgentemente. É evidente que isso veio à tona
desde que os filhos da classe média passaram a ser as vítimas. Na periferia é
ancestral e sempre foi ignorado ou menosprezado. Eu mesmo já fui protagonista
de vários abusos, embora não saiba dizer com precisão quem foi a maior vítima,
se eu ou o cidadão que agredia dentro desse processo. Entrementes, pra não
deixar passar em brancas nuvens também sou cidadão! . Portanto que se aproveite
o momento. Os benefícios de uma polícia não militarizada refletiria em toda a
sociedade. Inclusive aos próprios policiais doravante chamado de militares.
Um
dos caminhos seria sim a unificação das policias civil e militar, sendo
necessário uma emenda à constituição, concretizada nesse momento pela PEC 51.
Isso não se consegue da noite para o dia, portanto, quanto antes se começar a
mexer nesse vespeiro, onde duas meia polícias sistematicamente se atrapalham,
mais cedo teremos algum avanço. O que não é possível é ficar assistindo inertes
reintegrações de posse e manifestações sociais em busca de melhores condições
sociais se tornarem espetáculos de carnificina com requintes de crueldade como
vemos hoje. Como se fosse normal a expressão máxima da política de pão e circo
ora adotada por reiterados governos que já deixaram claro que tudo o que se
objetiva é a perpetuação do poder, mesmo que pra isso tenha que deixar de lado
qualquer plano de governo em detrimento a um plano de poder. Chega!
Em virtude dessas considerações iniciais,
aproveitando a transição posta pela unificação das polícias civis e militares
trazidas no parágrafo anterior passaremos a explanar então o ciclo completo de
polícia. Aqui a proposta de emenda constitucional tem sua maior força e
expressão na busca de uma maior eficiência no organismo de segurança pública,
senão vejamos. Certo de que comunicação é o que se entende e não o que se fala,
envidarei esforços para bem explicar do que se trata. O poder de polícia,
dentro da segurança pública, é estratificado em diferentes níveis e espécies,
quais sejam, preventivo/ostensivo e investigativo. Aqui se apresenta a primeira
jaboticaba brasileira (pra quem não sabe jaboticaba é uma excrescência
que só dá no Brasil!). Temos duas polícias que fazem, cada uma delas, a
metade do trabalho que deve ser realizado. Ou ao menos se propõem a tal. A ineficiência
é espantosa. A energia desperdiçada para que uma polícia não ultrapasse os
limites impostos para não atingir o “mercado” da outra é gritante. Certo
estamos que essa energia poderia e deveria ser utilizada na melhoria dos pífios
números apresentados pelas instituições de segurança pública no Brasil Aqui
então o ciclo completo de polícia urge, sendo necessário que seja construída
uma só polícia. E mais. Que a ela seja possibilitado, ao menos em tese,
realizar o trabalho por completo, já que a interrupção e divisão de tais
trabalhos sem dúvida é fato gerador de ineficiência. Da mesma sorte (ou seria
azar?) é contraproducente a guerra de vaidades existente entre duas
instituições que, no intuito de preservar suas bandeiras, ao invés de se
ajudarem, se atrapalham mutuamente. E quem sofre , mais uma vez, é a sociedade.
Em todo o mundo civilizado, cada polícia atua desde
os serviços de patrulhamento até as tarefas de investigação. Como regra, os
patrulheiros atuam uniformizados e os policiais dos departamentos de
investigação se dedicam ao esclarecimento de crimes. Estas duas dimensões
básicas do trabalho policial conformam o chamado “ciclo de policiamento” e
estão presentes em todas as polícias do mundo, menos no Brasil. Aqui, por
razões históricas, optamos pela partição do ciclo, atribuindo à Polícia Militar
(PM) o patrulhamento e à Polícia Civil (PC) a investigação, razão pela qual não
temos duas polícias em cada Estado, mas duas metades de polícia. É essa divisão
do ciclo a responsável pela persistente hostilidade entre as duas polícias,
que, como regra, não dividem informações, não compartilham recursos e alimentam
infinitas disputas de prerrogativas.
Não satisfeito em criar
estas metades de polícia (dividir para reinar!), o modelo vigente ainda
produziu um segundo “corte”, desta vez horizontalmente dentro de cada
instituição. Nas PCs, o corte se dá entre delegados e não delegados e na PMs,
entre oficiais e não oficiais. Cada uma dessas camadas se organiza a partir de
interesses específicos e mecanismos de seleção diferentes e, entre elas, há
enormes desigualdades salariais, de poder e prestígio. Como resultado, temos
instituições fraturadas, que não oferecem aos policiais uma carreira de
verdade; motivo pelo qual as polícias brasileiras nunca completam seus
efetivos. Também aqui, nosso modelo é único. Outra jabuticaba! Em todo o mundo,
há uma só carreira em cada polícia. Assim, nas democracias avançadas, todo
chefe de polícia terá sido patrulheiro, porque todos os policiais iniciam no
serviço rotineiro de patrulha. Depois, na medida em que dão mostras de suas
capacidades, vão progredindo na carreira.
No Brasil, não temos, ainda, sequer um campo
autônomo da segurança pública. Nossas duas metades de polícia se originam de
outros dois “campos”: as PMs, do campo da Defesa, e as PCs, do campo da
Justiça. As primeiras, espelhadas no Exército, foram vocacionadas para a
guerra; as segundas, espelhadas no Judiciário, foram vocacionadas para os
tribunais; o que faz com que, ainda hoje, muitos policiais se imaginem
“guerreiros” ou “juízes”. Também por esses mitos, não avançamos na construção
de polícias democráticas e eficientes. Assim, neste quadro, a PEC 51
desconstitucionaliza o modelo de polícia, permitindo que Estados e municípios
sejam protagonistas na definição das polícias que desejam. Uma boa notícia, em
síntese. Talvez o Brasil também tenha acordado para a gravidade do tema e se
tenha criado a oportunidade de discutir o cesto ao invés das maçãs.
A proposta apresenta-se como ferramenta
possível a enxugar a burocrática “pilha cartorial” das polícias judiciárias (apenas
8% dos inquéritos policiais apontam autoria e materialidade e quando se trata
de crimes dolosos contra a vida o número se reduz a 3%) já que torna
possível que aquele que de fato lida “tete a tete” com o fato criminoso inicie
a investigação já no local do crime. Nada mais razoável. Economia de tempo e
energia. Sem vaidades, já que seriam todos esses atores pertencentes a uma
mesma instituição. À guisa de exemplo poderíamos trazer à baila o
sistema norte-americano policial. No Brasil apenas 3% dos 8% dos inquéritos que
indiciam concretizam denúncias e início da verdadeira persecução penal. Bom,
certo estou que essa seja a parte que mais amadurecimento necessite, justamente
por sua importância. Aqui se apresenta um vasto universo de possibilidades,
estando certo que a sociedade pensante elegerá a melhor delas, muito longe da
atual posta. Interessantemente se faz notar que um dos pontos trazidos pela
redação da PEC 51 é justamente a possibilidade de cada Estado da Federação ter
a liberdade de tomar suas próprias decisões, com ampla participação popular,
escolhendo a solução mais adequada a suas características (territoriais e
sociais), a partir de um repertório que a Constituição definirá nos termos
trazidos pela PEC.
Carreira única! Certamente aqui um ponto que
sofrerá os maiores desgastes e ataques do corporativismo e classismo das
camadas hoje superiores das instituições. Mas nem por isso serei brando em
minhas palavras, já que é justamente aqui que somos amparados por uma lógica
policial presente quase no mundo todo. É a única forma de impedir que o efeito
“Dona Helô” assole de vez toda uma polícia e a impeça de realizar suas
verdadeiras funções: impedir e investigar o crime. Aqui me estenderei, pois
acredito que o local de discurso de um bacharel em direito não seja mesmo os
bancos das academias policiais. Explico!
Recentemente observa-se um discurso
bacharelesco no comando das instituições policiais. Então questiono. Qual é
mesmo a função da polícia? Se for o dispêndio de tempo e energia em defesa da
burocratização excessiva do serviço policial devo parar por aqui e me retirar.
Por amor ao debate partirei da premissa que não e continuarei. Aprendi que uma
polícia (vou tratar das polícias como se fossem uma só para facilitar o
raciocínio de quem não conhece a fundo a estrutura das polícias brasileiras!
Pra ser sincero nem eu entendo às vezes!) deve se prestar ao policiamento
ostensivo e a produção de uma boa prova para que então, e só então, se inicie a
persecução penal. Mas não é isso que ora observo. Vejo aqueles que deveriam ser
verdadeiros líderes, mas que na verdade são somente chefes indicados pelo chefe
do executivo se preocupar demasiadamente com uma tão sonhada carreira jurídica.
Ora, então polícia é carreira jurídica? Penso que não, pois é justamente a
miscelânea de conhecimentos e formações que faz a excelência de um bom trabalho
policial. Não deveria se preocupar o delegado de polícia em aprofundar uma
análise técnico-jurídica no produto final do trabalho da fase policial que é o
indiciamento. A isso é dado o trabalho do Ministério Público, verdadeiro
titular da Ação Penal, para seu verdadeiro convencimento da “opinio delicti”.
Deveria sim em ter conhecimento e legitimidade para ser um bom produzidor de
provas. É isso que todo o sistema de persecução penal espera. De nada adianta
um lindo relatório de Inquérito Policial (dispensável inclusive, assim como o
Inquérito o é), como se tese de mestrado fosse, se não nos valermos da
experiência necessária para produzir aquilo que de fato é nossa função: uma
prova robusta e qualificada. Tenho certeza de que qualquer promotor de justiça
trocaria um relatório de inquérito policial de 50 páginas construído por um
Excelentíssimo Senhor, Pós Doutor em Ciências Penais na Universidade de
Oxford, por uma simples escuta ambiental bem feita ou mesmo uma filmagem nítida
e bem posicionada provando a materialidade do crime, feita por alguém que sabe
bem fazer isso, simplesmente porque já o fez por centenas de vezes.
O que quero então dizer com tais afirmações?
Diminuir um cargo em detrimento de outro. Por óbvio não. Diria que é
privilegiar o conteúdo e não a forma. Elencar a eficiência e a celeridade como
premissas básicas da atividade policial. Somente isso. Em outras palavras: de
nada adianta o STF em seu último informativo afirmar que o ato de indiciamento
é ato privativo do delegado, se esse mesmo ato sequer traz qualquer
consequência processual. Apenas com indiciamento não se pode dizer que alguém
responderá por crime algum. Quem decide se acusará alguém, e por qual crime o
fará, é o Ministério Público.
*** Colocar isso no final da
página de onde se postar o parágrafo supra. O chamado “indiciamento” é o
registro administrativo, feito pela polícia, do nome e dos dados de
identificação de alguém que, na opinião da polícia, reúne indícios de ter sido
o autor do ato criminoso sob investigação.
Vejamos só a prova de
tamanha insensatez. A Lei 12.830, de 20 de junho de 2013 (carinhosamente
apelidada de Pequinha 37), que teve como finalidade “dispor sobre a
investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia”, mencionou o
indiciamento no artigo 2.º, parágrafo 6.º Nele, estabeleceu que o indiciamento
é privativo do delegado de polícia, que se dará por ato fundamentado, mediante análise
técnico-jurídica do fato, e que deverá indicar a autoria, a materialidade do
crime e suas circunstâncias. Diga-se de passagem uma lei vazia de conteúdo,
visto que, seu verdadeiro objetivo foi devidamente vetado. Desta feita, ao que
me parece, o maior ganho (ganho?) de tal lei foi designar de Excelência as
autoridades policiais. De verdade, já estou cheio de Excelências nesse país.
Quero mais eficiência!
Ao contrário do objetivo de racionalizar e
elevar a eficiência da importante atividade da polícia, aquele parágrafo 6.º
gerou mais um ato burocrático e desnecessário, quando impõe ao delegado perder
tempo fazendo “análise técnico-jurídica” da necessidade de indiciamento, sem
que isso tenha nenhuma consequência para a futura ação penal ou para as demais
providências cabíveis ao final da investigação. A experiência mostra que
inevitavelmente muitos delegados se empolgarão com essa oportunidade e
produzirão demorados arrazoados acerca da (in)ocorrência do fato criminoso, com
análise da doutrina e da jurisprudência criminais, alguns como se desejassem
emular o trabalho do Ministério Público ou do Poder Judiciário. Isso não é
atividade de investigação criminal nem deveria ser, jamais, a prioridade da
polícia, que já possui trabalho suficiente e carências materiais e humanas
difíceis de suprir mesmo no longo prazo. A criação dessa “justificativa de
indiciamento” apenas drenará tempo e energia dos delegados e os afastará de seu
relevante trabalho na coordenação policial da investigação de crimes. Além
disso, estimulará advogados a impetrar habeas corpus e ajuizar outras
ações para retardar o andamento do processo penal, com base nesses inúteis
arrazoados. De outra face, a irrelevância processual do indiciamento não
significa demérito algum para a polícia, cujo trabalho é muito importante e
deve ser valorizado sim. A polícia criminal não precisa do indiciamento para
ser importante. Sua relevância está na qualidade do trabalho investigativo e o
tempo mostrará que estão equivocados.
De tudo posto então parece-me óbvio que
somente aquele que se esmera em sua profissão, buscando sempre proeficiência em
seu trabalho, adquirido com experiência policial adquirido à duras custas e
riscos pode um dia ser elevado a posição de coordenador de atividades de
polícia. Independentemente de qual a nomenclatura utilizada pelo seu cargo. Eis
que surge a carreira única, que ao contrário de discursos minimalistas
(des)arrazoados por associações das classes que hoje mais parecem oligarquias
preocupadas com sua própria sobrevivência, na verdade só privilegiará a
meritocracia e, por conseguinte, a eficiência policial. Pois outrossim é
inconcebível alguém recém formado em seus cursos de direito (por vezes sem
qualquer experiência de vida inclusive) seja o responsável por coordenar operações
policiais de grande vulto . Das duas uma: ou se separam dois departamentos
distintos dentro da polícia: Departamento Jurídico Policial (empenhando energia
em fazer o que o Ministério Público já faz!) e Departamento de Operações
Policiais (responsável por fazer aquilo que a polícia realmente deve fazer) ou
então seria razoável pensar em carreira única, ascendendo a postos policiais
que ao longo de sua carreira se mostraram aptos, capazes e merecedores de serem
verdadeiros líderes. Senhora sociedade, a escolha está com vocês! A minha
escolha eu já fiz e ela se deu quando fui chamado de pedreiro, trabalhador
braçal, mero executor, chapeiro, coveiro, motorista de viatura (sem qualquer
demérito de tais nobres profissões) por aqueles que deveriam na verdade lutar
pela decência da minha profissão e não depreciá-la, que deveriam me respeitar,
senão como profissional ao menos como pessoa e pai de família (foi só um
desabafo!). Exigo dignidade na profissão que escolhi, por vocação, exercer,
antes que o trabalho se torne pra mim efetivamente algo ingrato e triste. Tão
certo de que dignidade é sim um termo relativo, mais certo estou de que ela
passa ao largo da insalubridade funcional que hoje assola as polícias de uma
forma geral. Seria isso realmente efetivo no combate à criminalidade, em
especial quando a insalubridade contamina sua vida pessoal, sua casa, sua vida
em família e sua vida social? Sem qualquer pretensão de me tornar um sonhador
utópico digo que a PEC 51 traz ao debate discussões que já internalizam as polícias
há décadas. Isso é factível, não é sonho!
Me arriscarei agora em tecer alguns breves
comentários sobre nosso famigerado sistema de persecução penal. Precisarei de
mais palavras aqui e disparadamente será meu maior desafio, pois na minha
humilde opinião, mas nem por isso ilegítima, o problema encontra-se sim
na gênese de nosso sistema de persecução processual, notadamente, pré –
processual, ocasião em que há uma atuação mais isolada da polícia judiciária, a
qual participa, via de regra, com a elaboração do inquérito policial, o qual,
dentro de um sistema acusatório mais para o misto (NUCCI), servirá de subsídio
para que o ministério público formule a denúncia crime, culminando com a
propositura da Ação Penal, ocasião em que se abrirá o contraditório para a
defesa. Alguns procedimentos do sistema inquisitivo, em fases com nenhuma
ou pouca participação da defesa, embora com garantias, ainda estão presentes
nos sistemas denominados acusatórios mistos, sendo mais comuns nos países
europeus que tiveram em seus códigos forte influência da Revolução Francesa
(França e Espanha), e não o sistema acusatório, propriamente dito, como na
Alemanha e Portugal. Existe também o sistema conhecido como acusatório puro, o
qual possui mais forte oralidade e publicidade do que o simplesmente
acusatório, como o que está presente nos países de origem anglo-saxônica,
notadamente, Estados Unidos e Inglaterra.
Ocorre que, a
principal diferença com relação à nossa fase inquisitiva (se é que possamos
chamá-la de fase), em comparação com a que é feita em outros países (França e
Espanha), é que no Brasil não há a figura do juiz de instrução, que a preside,
nos chamados Juizados de Instrução, em que há a figura de um magistrado
responsável por toda a fase instrutória, que antecede à fase de Julgamento,
subsidiado por uma polícia judiciária que, geralmente, faz uma investigação
preliminar dos fatos com forte vinculação ao ministério público.Já no sistema
acusatório, a participação do ministério público é muito mais forte, como promotor
de inquérito (Portugal), ou como do promotor investigador (Alemanha e Itália),
havendo uma vinculação funcional, não administrativa, das organizações
policiais, as quais possuem total autonomia científica e operacional nas
investigações. A figura do juiz de instrução nesses países é mais de garantidor
de direitos para colheita de provas, preservando, assim, sua imparcialidade.
Assim,
no Brasil, o inquérito é policial, e não dentro de um juízo de instrução, não
havendo nenhuma possibilidade de contraditório nesta fase pré-processual. É
procedimento (não processo), sendo presidido pela autoridade policial (delegado
de polícia), o equivalente a um supervisor ou chefe, em outros países. Ademais,
naqueles países, na maioria das vezes, algumas provas podem ir sendo
contraditadas à medida que são inseridas no processo, no decorrer de suas
fases, conforme regras especiais previstas no ordenamento jurídico do país,
devido ao fato de já estarem presentes os sujeitos processuais (juiz ou
promotor), logo, os sistemas são bem mais dinâmicos que o nosso.
Nota-se, ainda,
que em ambos os sistemas mostrados acima, não há riscos dos membros dos órgãos
policiais se confundirem com as figuras das carreiras jurídicas, pois o papel
da polícia, como no Brasil, ou é judiciária (França e Espanha); judiciária,
criminal e ministerial (Portugal); criminal (Alemanha); etc. Ou seja, sequer se
cogita haver status de carreira jurídica para os membros dos órgãos policiais.
Mas parece que o Brasil vai na contramão da lógica racional, já que bem
conhecemos os esforços envidados por parte de nossas Excelências para aprovação
da Lei 12.830/2013 que já começa a ser atacada por ADIN’s. Basicamente uma lei
inócua, cujo esforço maior é trazer para a polícia judiciária um “bacharelesco”
policial. Penso que não saibam que investigar é tão importante quanto julgar ou
denunciar, e que a verdadeira função de uma polícia judiciária é produzir uma
boa prova e nisso deve se empenhar. É isso que a sociedade grita. Mas não
podemos exigir que ela traduza isso em palavras, pois como já dizia o nobre
Boechat, não é razoável exigir de um afogado que encontra-se afogando os
fundamentos da natação olímpica! Ele só vai gritar socorro meu amigo!
No Brasil, a
figura do delegado de polícia, desde os primórdios de nosso Código de Processo
Penal, é de alguém que representa uma autoridade pública, responsável por
elaborar uma peça administrativa, que servirá de base, não exclusivamente, de
uma acusação de cometimento de um delito por parte de um acusado, devidamente
formulada pelo ministério público, e que será apreciada pelo poder judiciário
em um processo próprio. Entretanto, desde a época em que surgiram os
primeiros delegados de polícia, e até mesmo há pouco tempo, por opção política,
as autoridades policiais eram nomeadas para ocupar o cargo a título de
confiança, sem que a escolha estivesse vinculada a qualquer carreira policial,
experiência administrativa, ou até mesmo a qualquer grau de escolaridade. Era
pura conveniência e oportunidade na escolha dos chefes de polícia, com seus
delegados e subdelegados. Pois bem, após essa breve introdução, voltemos à
realidade, hoje, dentro da polícia judiciária brasileira, notadamente, o DPF.
Deve-se dizer que pouca coisa mudou, exceto com relação ao chefe de polícia (um
diretor geral), que, ainda, por conveniência e oportunidade, continua sendo
escolhido dentre quaisquer cidadãos; porém, atualmente, pelo ministro da
justiça, passando os antigos delegados a serem servidores públicos concursados,
com a exigência de possuírem bacharelado em ciências jurídicas para ocupar o
cargo.
Assim, ao
contrário do que ocorre na maioria esmagadora dos países mais civilizados do
mundo, no Brasil, não é necessário se seguir uma carreira única para se chegar
a conduzir uma investigação policial e, consequentemente, podendo se chegar a
dirigir o órgão policial, bastando que o candidato tenha um curso universitário
em ciências jurídicas (Direito) e seja aprovado, agora, em um dos concursos
mais disputados do país, inclusive, com a promessa de ser um dos mais difíceis,
após as recentes exigências de provas de títulos e oral, nos moldes dos
concursos para o ministério público e para a magistratura.
Diante
desse quadro, o que impera dentro de nossas polícias é que o cargo – pelo menos
sob a ótica da maioria dos delegados – deve seguir o norte das carreiras
jurídicas, ou seja, procurar se conseguir as prerrogativas de promotores,
procuradores e magistrados e, principalmente, quase a equiparação de subsídios
percebidos por estes, por meio da chamada PEC 549. Tudo sob a bandeira do bem
para a “sociedade brasileira” no combate à criminalidade. Logo, o embate
ideológico dentro do órgão é inevitável, na medida em que as propostas para a
sociedade de uma polícia investigativa e mais eficiente são conflitantes.
De um lado,
ao que parece, temos a entidade de classe dos delegados defendendo que as
melhorias para a sociedade virão com o simples aumento de efetivo dos agentes
da autoridade, sem maiores reconhecimentos em suas atividades de nível médio;
seguido de um aumento salarial proporcionado pela PEC 549 às autoridades
policiais, juntamente com o incremento de prerrogativas típicas de carreiras
jurídicas de estado, para uma melhor caça aos bandidos e, preferencialmente,
num futuro próximo, sem o chato controle externo exercido pelo ministério
público; pois, verdadeiros “juízes de instrução”, não sofrem controle externo
de ninguém.
De outro lado, a
tese dos verdadeiros policiais os chamados “agentes da autoridade” – conceito
que também engloba os peritos policiais, caso eles não saibam – os quais buscam
ter reconhecidas suas reais atribuições dentro do órgão, como sendo essenciais
às atividades de polícia judiciária, e mais ainda, de polícia administrativa
(em que não há IPL); bem como propõem à sociedade uma verdadeira revolução no
sistema de investigação brasileiro, com o aperfeiçoamento do Código de Processo
Penal, no sentido de privilegiar a celeridade das investigações; notadamente,
proporcionando uma maior participação dos recursos humanos disponíveis nas
organizações policiais, que são mal aproveitados no atual sistema, que
concentra tudo na figura da autoridade policial, relegando quase nada aos chamados
agentes da autoridade, pelo atual texto da lei; deixando margem a
interpretações de Instruções Normativas internas no sentido de que os demais
cargos são meros cumpridores de ordens, sendo estes incapazes de tomar qualquer
tipo de decisão dentro das investigações em curso, formalizadas pelo atual
inquérito policial.
Em síntese,
em nosso país, temos a impressão de que se dividir a responsabilidade de atos
dentro de uma investigação, como ocorre na maioria dos países civilizados, tem
o significado de submissão e de anulação total do desempenho dos demais cargos
participantes. Ou seja, dando a nítida impressão de que o delegado de polícia é
o único ser humano capaz de fazer, em última análise, tudo de correto,
perfeito, dentro de um procedimento de investigação. Argumento este somente
defendido por um receio infantil de perda de poder e, na pior das hipóteses,
por pura vaidade. Ressalta-se que, na realidade, hoje às atribuições de
fato exercidas pelos agentes policiais, tanto na polícia administrativa, quanto
na judiciária, vão desde uma simples intimação até a realização de diligências
investigativas mais complexas no âmbito criminal e administrativo, e outras
como: a análise documental de provas e de registros de interceptações
telefônicas; telemáticas; de análise de registros financeiros; fiscais;
produção de documentos de informação; etc.
Ou seja,
produzir, elaborar, analisar são verbos que se tornaram frequentes nas
atividades desses profissionais; ao mesmo tempo em que, não houve um
balizamento normativo adequado amparando essas atividades, gerando, hoje em
dia, questionamentos sobre o que se estaria sendo feito dentro da própria
esfera de atribuições da autoridade policial, pois o CPP é pouco preciso quanto
isso.
Na realidade, o
CPP, basicamente, restringiu-se a dizer que o agente da autoridade policial
deve prender alguém em flagrante delito, bem como, extraindo-se do contexto da
lei, que o perito oficial também é um agente da autoridade policial. Ficando a
pergunta: Para o que mais serve este termo?Analisando outros códigos
processuais existentes, notadamente, dos países europeus, observa-se que na
maioria das vezes quando o texto legal faz referência à atribuição da atividade
investigativa policial, cita-se muito a Instituição, o Órgão oficial, a
Entidade; focando-se, assim, nas funções do órgão policial (teoria do órgão),
pois este, para eles, vem antes dos agentes públicos que exercem o poder de
AUTORIDADE POLICIAL, que é poder do órgão estatal, logo do Estado. Poder de
autoridade que se manifesta, obviamente, por seus funcionários policiais, em
diferentes níveis de hierarquia organizacional e, consequentemente, em
diferentes graus de poder de decisão.
Segundo
a melhor doutrina alemã, conforme ensina o professor Hélio Bastos Tornaghi, a
AUTORIDADE (Behörde), não é dotada de personalidade jurídica (Sie besitzt Keine
Rechtspersönlichkeit), pois é o próprio órgão do Estado! Assim, nesses
países, quando se faz referência à Autoridade Policial, isso se faz mais com
relação ao poder do órgão que é exercido, em determinado momento, pelos chefes
de polícia, inspetores, comissários, supervisores, etc., os quais possuem as
atribuições de concentrar, acompanhar, controlar, supervisionar e, finalmente,
encaminhar as investigações realizadas pelo órgão oficial, dentro de uma
determinada circunscrição, ao ministério público, ou ao juiz de instrução,
conforme o caso.
Com efeito,
para os europeus e americanos, TODOS os policiais exercem autoridade, não há
agentes da autoridade; porém, nem todos possuem todas as prerrogativas,
ilimitadamente, pois há níveis de atribuições e responsabilidades ao longo da
carreira policial, que é Única; notadamente, de ser superior hierárquico dos
demais, havendo sempre chefias imediatas que podem ser conquistadas à medida
que se progride na organização, sem que isso, principalmente, não seja entrave
à atividade fim para a qual o órgão foi concebido, procurando não haver, em
hipótese alguma, desperdício de recursos humanos.
No
Brasil, ao contrário, todos os servidores públicos são considerados Autoridades
para fins penais – Lei de Abuso de Autoridade -, caindo por terra o argumento
de alguns de que sempre o delegado de polícia responde pelos erros e abusos dos
chamados agentes da autoridade – sendo certo de que responderá se há provas de
que concorreu para o fato abusivo. Aqui, nosso CPP previu de maneira precária
até que ponto o agente da autoridade pode ir sem invadir atos indelegáveis da
autoridade policial, causando muitos questionamentos hoje no meio policial,
pois o CPP, em seus comandos normativos, faz muita referência à Autoridade
Policial de maneira isolada, parecendo não dar margens a interpretações
extensivas, até mesmo deixando dúvidas quanto a real necessidade do termo
agente da autoridade, que não aparece em outros códigos mundo afora.
Certo é que
o agente da autoridade, para fins de CPP, é um servidor de natureza policial,
pois prende em flagrante, anda armado na rua, investiga, etc. Ao contrário de
um oficial de justiça, que é um servidor administrativo que ocupa um cargo
totalmente distinto da natureza do cargo de quem representa a Autoridade
Judiciária, pois age longa manus para cumprir as ordens emanadas do magistrado,
assim como os membros da própria polícia judiciária, que em determinados casos
o fazem. Raciocínio análogo pode ser feito com relação aos servidores
administrativos do ministério público.
Cabe
ressaltar, a título de curiosidade, que na maioria das polícias do mundo
existem os policiais (que exercem a Autoridade Policial do Estado) e os
funcionários administrativos, que não são policiais de modo algum. Nessas
policias, e nos códigos processuais, não existe referência a agente policial da
autoridade, agente da autoridade policial, meio-policial da autoridade, meia –
autoridade, etc. Como visto, é uma questão da natureza do trabalho exercido
pelo funcionário, se é POLICIAL ou não!
Em nossa
estrutura policial, no mínimo, já é patente o desperdício de recursos humanos,
pois, com todo respeito aos meus colegas escrivães, este cargo (position), não
aparece como sendo policial em nenhuma polícia do mundo, nem mesmo na
portuguesa, país do qual nosso sistema é herdeiro. O escrivão de polícia
deveria ser um investigador – completo – como o agente de polícia e o delegado
também deveriam ser, assim como o papiloscopista deveria ser um perito criminal,
a exemplo do que ocorre mundo afora.
Com efeito,
funções de documentação de procedimentos devem ser feitas por qualquer
policial, conforme a necessidade do caso, e sempre com vasto apoio de pessoal
administrativo, os quais muitas vezes possuem até mesmo porte de arma para
defesa pessoal, como ocorre nos Estados Unidos.
Lá fora, o que na maioria das vezes ocorre,
como no caso das polícias americanas, é que, geralmente, um tenente ou um
sargento mais velho fica responsável pela burocracia na delegacia (Precinct,
Police station), sempre apoiado por pessoal administrativo, ou mesmo
responsável pelos atendimentos das ocorrências policiais, pois lá o policial
não é usado para ser um plantonista que não tem autonomia para nada – nem mesmo
para abrir um claviculário de chaves -, como ocorre nas delegacias do Brasil.
Ademais, no FBI, a segurança das instalações e a do pessoal, é feita por um
quadro próprio especializado de funcionários (Professional Staff), que não são
agentes especiais (special agents), mas profissionais em segurança, assim como
vários outros profissionais de apoio. Outro exemplo vem da Justiça Federal do
Brasil, a qual conta com um quadro especializado de servidores públicos
administrativos (técnicos em segurança), armados, inclusive, para segurança das
instalações e das audiências.
Como se
vê, muita coisa deve ser debatida, sendo clara a ideia de que a origem de tudo
está no mau aproveitamento de nosso quadro policial, da falta de motivação e da
falta de contratação de pessoal administrativo, que em muitos casos poderiam
ganhar até mais que um servidor policial, dependendo da antiguidade, da
complexidade e da responsabilidade do cargo para o qual foi criado, mesmo sendo
de carreira diferente dos policiais.
Hoje, o
que mais se ouve dentro do órgão são comentários com respeito ao que este ou
aquele cargo faz, como por exemplo: que esta atividade é simples; que não tem
tanta responsabilidade; que não é complexa; que é coisa de praça; que isso é
coisa de oficial; etc. Porém, o fato que deve ficar claro, antes de tudo, é que
existem maus servidores em todas as áreas, mas que a falta de expectativa, de
motivação e, principalmente, que a existente separação entre os cargos
policiais atrapalha, em muito, o desenvolvimento do trabalho da polícia,
prejudicando, em última análise, a sociedade como um todo.Lembrando, ainda, que
alguns “príncipes do serviço público” tendem a confundir o termo agente da
autoridade (CPP), com “empregado da autoridade”. Fato lamentável, pois todos nós
fizemos concurso público. Somos todos SERVIDORES PÚBLICOS. Sendo a hierarquia
no serviço público defluir do dever de obediência ao poder de mando conferido
aos cargos ocupados em confiança. Além disso, no âmbito dos cargos, o que pode
existir é, no máximo, uma vinculação funcional dentro do interesse do inquérito
policial, por força do CPP, e que não tem nada a ver com o princípio da
hierarquia na Administração Pública.
A
consequência lógica dessa falta de unidade dentro do órgão é que cada cargo
está procurando ater – se ao máximo dentro de suas esferas de atribuições,
mesmo que precariamente positivadas na Portaria 523/89 do MPOG, como é o caso
específico dos agentes da Polícia Federal. Outro fato perceptível é quanto
à mudança de comportamento daqueles servidores que costumavam ser mais
abnegados, pois passaram a não ver mais razões para agirem como antes, tais
como: despender horas a fio de trabalho, sem revezamento de pessoal e muitas
vezes em condições perigosas à saúde; dispensar as compensações de horas
extraordinárias, ocasião em que poderiam ficar com suas famílias; ficar fazendo
pesquisas sobre assuntos e legislações que não são, inicialmente, afetas ao seu
cargo; ficar se indispondo com colegas de trabalho dentro dos setores, pois não
são chefes de nada; ficar procurando resolver problemas de logística básicos em
setores diversos; etc.
Logo, o
amor, como pode ocorrer nas relações pessoais, infelizmente, está acabando.
Hoje, o que se vê em quase todos os cargos, é uma vontade de procurar outra
coisa para fazer da vida, ou aguardar ansiosamente a aposentadoria. Tudo por
pura falta de expectativa de melhoras no órgão.Conversando com os colegas,
principalmente com aqueles que não têm formação em Direito, noto que também há
um grande receio de enfrentar mudanças dentro de nosso sistema, pois a maioria
esmagadora deles não quer lhe dar com o inquérito policial, pelo menos da
maneira como ele é feito hoje. Sendo que, até mesmo muitos delegados, se
tivessem que fazer muitas das diligências que são requisitadas aos chamados
agentes da autoridade, certamente, teriam já procurado fugir dele, tamanha a
falta de objetividade que o sistema atual proporciona (várias vezes a mesma
diligência ou inquéritos repetidos). E não por culpa exclusiva deste ou daquele
cargo, mas do sistema como um todo, incluindo-se aí o próprio Ministério
Público. É amigos. O problema é maior do que se apresenta.
Acredito,
assim, que vou concordar com a tese do delegado aposentado Dagoberto Albernaz
Garcia, em seu artigo, e ainda vou acrescentar mais algumas coisas. Acho que a
carreira jurídica buscada pela maioria dos delegados é um equívoco, e não por
causa da opinião contrária da grande maioria dos verdadeiros policiais, que a
meu ver, simplesmente, deveria evitar tocar no nome do cargo de delegado de
maneira generalizada. E sim, da Administração, geral ou local, que por um acaso
é exercida pelo servidor fulano de tal. Dessa forma ficaria claro que a
manifestação publicada é um desagravo em relação a determinados
administradores, procurando-se, assim, falar do cargo de delegado,
genericamente, somente quando se tratar de assuntos como a lei orgânica,
reforma do CPP, etc.
Ou seja,
falando de assuntos de interesse geral dos policiais, os quais devem ser discutidos
no campo das ideias. Se bem que, recentemente, já comecei a ler sobre deslizes
de outros cargos em jornais locais como O Popular (exclusão de policial federal
em virtude de envolvimento com Carlos Cachoeira), mas que isso seja feito com
imparcialidade para não parecer perseguição ao cargo de delegado, simplesmente
por ocuparem os postos de chefia na instituição. Assim, se o delegado, agente,
escrivão, papiloscopista ou perito forem pegos cometendo um crime, que se
indique o cargo de todos, ou não se indique o de nenhum deles. Não vamos
acirrar os ânimos de ambos os lados à toa.
Mas,
voltando à carreira jurídica. Hoje, a contrariedade a sua implantação vem mais
do Ministério Público, da Magistratura, dos Oficiais das PM´s, dos Bombeiros e dos
Governadores dos Estados (que terão que enfrentar um efeito cascata nos
salários dos demais), do que da própria polícia como um todo, que a meu ver
poderia até ignorar o assunto, pois é tanta gente contra que não faria qualquer
diferença, nem mesmo se apoiasse a PEC 37 abertamente. Então aqui, desde já
manifesto o meu apoio irrestrito e inconcidiconal ao debate proposto pela PEC
51.
As
chamadas prerrogativas das carreiras jurídicas típicas de estado, já foram bem
definidas e concedidas aos magistrados e aos membros do ministério público,
pois são eles sujeitos processuais, ou seja, os que, efetivamente, formam a
relação jurídica processual, pois estão inseridos na Ação Penal. Outro fato, as
emendas à Constituição caminham para frente e não para trás, ou seja, a CF/88
concedeu a eles – e somente a eles – de forma natural, tais prerrogativas,
vindo a “enxugar” privilégios que eram concedidos na carta anterior. Sob o
risco, até mesmo, de qualquer servidor público as querer também, bem como
querer também a equiparação remuneratória de subsídios com os membros do
ministério público e da magistratura.
Nesse
sentido, interessante a posição adotada pelo STF, quando do julgamento de
inconstitucionalidade da EC nº 03: “as reformas constitucionais precipitadas,
ao sabor de conveniências políticas, não levam a nada, geram a insegurança
jurídica, é lógico, portanto, que o constituinte originário desejando preservar
sua obra, crie dificuldades para alteração.” Ademais, ter reconhecida uma
atividade jurídica, dentro de um procedimento administrativo, não é o mesmo que
ter direito subjetivo a uma carreira jurídica, ainda mais com prerrogativas de
membros da magistratura e do ministério público, nitidamente, de natureza
jurídica processual.
Com efeito,
o que as recentes emendas às constituições estaduais têm concedido aos
delegados de polícia civil é uma carreira jurídica com a chamada prerrogativa
da independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária
– prerrogativa que já é presumida para qualquer servidor público que labore
dentro de um procedimento ou processo administrativo. Logo, se caracterizado o
desvio de finalidade de qualquer ato administrativo (uma remoção de ofício com
o fim de perseguição, por um exemplo) este pode atacado com socorro à justiça e
ao próprio ministério público. Entretanto, a despeito dessas emendas às
constituições estaduais, a tão sonhada equiparação remuneratória com os membros
do ministério público, ao que tudo indica, nunca será uma realidade; pois, na
visão acertada do MP e da Magistratura, o que se quer, realmente, é quase uma
equiparação de subsídio e uma independência funcional do cargo de delegado de
polícia (sem qualquer controle externo), o que não existe em polícia alguma do
mundo civilizado. Ou seja, todas são vinculadas ao Ministério Público e/ou à
Magistratura. E mais de maneira unânime ao Ministério Público.
Acredito
que seria mais plausível lutarmos (todos) por uma polícia forte e unida, em
busca de reformas processuais e institucionais com o fim de promover uma
verdadeira revolução em nosso método de investigação atual, de modo a termos um
procedimento de investigação que prese pela busca de elementos de autoria e
materialidade. É isso que se propõe a concretizar a PEC 51. Resta saber se
independência de um órgão de investigação está nos planos de um governo
corrupto. Corrupção! Falaremos dela em outro capítulo. Voltemos à investigação.
Investigação sob uma ótica factual e sem devaneios jurídicos, pois a atividade
investigativa policial não se confunde com as atividades típicas das carreiras
jurídicas em lugar algum do mundo. É uma ilusão, uma fantasia: o delegado de
polícia achar que é um juiz de instrução europeu! O Direito enquanto ciência é
importante, mas outras áreas também o são, não existe essa supremacia
intelectual que é pregada de maneira insana, e até mesmo ridícula em
determinados casos. Tenho plena certeza de que nosso corpo de servidores é
capaz de receber bem essas mudanças, estando aberto a treinamentos específicos
que naturalmente serão inseridos no novo método investigativo, que terá como
fim último a apuração de fatos e encaminha-los ao ministério público para
formação da “opinio delicti”. Sob o prisma do Direito, o que é necessário é se
observar garantias e direitos fundamentais, noções de direito penal e
processual, que mesmo na academia de polícia já podem ser ministrados no início
da formação do policial, como ocorre em qualquer polícia do mundo. O resto é
boa vontade para trabalhar!
Essa
revolução seria até mais na forma de como a polícia judiciária é estruturada em
seus cargos, do que propriamente processual (necessária também) como já
defendido acima. O aproveitamento dos recursos humanos seria a mola mestra
dessa mudança, pois hoje é inconcebível que todo o poder de decisão durante as
investigações esteja somente nas mãos de uma única pessoa, o delegado de
polícia ou mesmo o oficial de polícia militar. Tanto isso é verdade, que as
recentes reformas no CPP caminham nessa direção, prevendo a possibilidade do
colhimento de testemunhos de maneira mais informal, sem a necessidade de termos
e assinaturas, como ainda é a regra, havendo ainda a possibilidade de gravações
em áudio e vídeo, sem a necessidade de transcrições, evitando-se, assim, que as
Delegacias de Polícia se tornem centros de oitivas de testemunhas que muitas
vezes são mais penalizadas que o próprio investigado.
Nota-se,
mesmo hoje em dia, é que dentro de muitos IPL´s o que há de mais essencial é
uma diligência (simples ou complexa) que deve ser bem elaborada e relatada,
para subsidiar o ministério público naquilo que ele precisa para a Ação Penal;
sendo o resto muitas vezes burocracia à qual é ainda mais afetada pela
excessiva falta de comunicação entre os cargos. Sugere-se, por um exemplo
(o texto da PEC 51 , por óbvio, não desce a pormenores!), que cada grupo de
investigações (200 ou 300) tenha um supervisor, gerente, chefe, delegado seja
lá qual for o nome, o fato é que as investigações seriam divididas entre
equipes formadas por dois policiais, que fariam tudo do início ao fim, contando
com o apoio de servidores administrativos, e não somente encarregados de
realizar diligências desconectadas com o todo, que só prejudicam a celeridade e
objetividade do trabalho realizado. Desse modo, haveria uma responsabilidade
natural com tudo o que estava sendo produzido pela equipe. Ao final, o
supervisor assinava o relatório junto com a equipe que produziu a investigação.
O mérito ou o fracasso seria responsabilidade de todos! Ocorre que uma
questão importante surgiria: Como resolver o problema da Carreira Única para a
supervisão das investigações?
Resposta:
acredito que os atuais delegados fizeram o concurso primeiro para exercerem as
funções de autoridades policiais, chefes da investigação, mesmo que formalizada
pelo burocratizado inquérito policial, sendo natural que seguissem assim até o
final da carreira. Porém, a de que se ressaltar que haveria a possibilidade,
caso quisessem, para que os atuais “agentes da autoridade” viessem a
supervisionar um dia também; sendo clara a passagem por critérios objetivos
fixados em lei para promoção na carreira, pois não haveria mais concurso direto
para chefes ou supervisores de investigações.
Ressalta-se que nos debates em torna da Lei Orgânica, um delegado aposentado do
DPF, salvo engano ex-dirigente da ADPF, juntamente com o ex-deputado federal,
Marcelo Itagiba, chegaram a sugerir a volta da reserva de vagas para o cargo de
delegado – 50% das vagas seriam reservadas para os chamados agentes da
autoridade, e as demais para o público externo, formado por pessoas as quais
não têm qualquer experiência policial – afirmando que naquela época as coisas
eram muito melhores dentro do órgão. Ocorre que, acertadamente, os agentes
de polícia federal rejeitaram a proposta, que além de claramente
inconstitucional, por continuar a ter concurso direto para o cargo de delegado
(os outros 50%), pois em uma estrutura de Carreira Única é vedado o ingresso em
cargos intermediários, segundo o próprio STF. Assim, o modelo que se
vislumbra passa por uma Carreira, verdadeiramente, Única, nas palavras do
delegado aposentado Dagoberto Albernaz Garcia. Ou seja, o policial começaria na
base da carreira, com a possibilidade de ser supervisor de investigações, por
meio de critérios objetivos, como ocorre nas melhores polícias do mundo. Isso
tudo, sem se falar na reformulação total do burocrático Inquérito Policial, que
poderia até mesmo passar a ter outro nome, sugestivamente, relatório final de
investigações, conforme já previsto no atual CPP.
A figura
do supervisor é muito comum nas agências de investigação americanas e nas
policias do mundo inteiro, porém exercendo outras denominações conforme seu
país de origem, com notado traço de manter os policiais motivados com a
carreira. Claro que em nosso meio, infelizmente, ainda isso soa mal para a
maioria dos ocupantes do cargo de delegado de polícia, os quais se apegam as
mais diversas “justificativas” para negar essa lógica mundial dentro das
melhores polícias de investigação. A título de exemplo, li recentemente no site
da ADPF, a publicação do artigo: Carreira policial: estudo comparativo entre a
estrutura da polícia federal brasileira e norte-americana, datado de
06/11/2012, de autoria do delegado federal Bruno Fontenele Cabral, o qual
também já havia lido anterior publicação no conhecido site jurídico Jus
Navigandi. O aludido artigo, em linhas gerais, diz não existir provimento
derivado vertical ou ascensão funcional também nas carreiras policiais das
agências de investigação norte – americanas, pois lá existe a especialização
dos cargos policiais, organizados em carreiras distintas, sendo que seus chefes
máximos, as autoridades, os cargos americanos (especial agents e outros), têm
seus equivalentes na polícia federal brasileira com o cargo de delegado.
Pois bem,
com a devida vênia, ouso discordar do nobre delegado, pois, inicialmente, as
agências de investigação norte-americanas não são propriamente polícias no
sentido estrito da palavra. Com efeito, o FBI, por um exemplo, é uma
organização de segurança nacional com funções de aplicação da lei; porém, sendo
cabível a comparação, no que tange às investigações, com a polícia federal
brasileira. Assim, mesmo que quiséssemos considerar todos os cargos
(positions) do FBI como sendo de natureza policial, não poderíamos fazê-los,
pois lá existem duas carreiras distintas: a dos Special Agents (“policiais
federais”) e dos Professional Staff (pessoal profissional). E mais, todos os
postos de supervisão podem ser atingidos por qualquer um na organização, dentro
de suas carreiras específicas, as quais têm diferentes níveis salariais, pois,
dependendo do caso é perfeitamente possível alguém do pessoal profissional
ganhar mais do que um agente especial, por meio das diferentes GS´s as quais
estão previstas nas tabelas de remuneração que o governo federal americano
dispõe para parametrizar o pagamento de seus funcionários.
Por final,
concordo que a ascensão funcional é proibida pela atual constituição federal;
porém, a promoção funcional dentro da Mesma carreira, no singular, como a nossa
que está prevista tanto na CF/88 como na Lei 9.266/96 (logo Única) sempre foi
permitida. É o que se extrai da leitura da EMENTA da ADIN 231/1992 do
STF”. Ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocante a cargos ou
empregos públicos. – O critério do mérito aferível por concurso público. é, ..,
indispensável para cargo ou emprego público isolado ou em carreira. Para o
isolado, em qualquer hipótese para o em carreira, para o ingresso nela, que só
se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas títulos,
não o sendo, porém, para os cargos subsequentes que nela se escalonam até o
final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento
que é a “promoção”.
Estão, pois,
banidas das formas de investidura admitidas pela Constituição a ascensão e a
transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a
geral o servidor público ingressou por concurso, e que não são, por isso mesmo,
ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que sucede com a promoção,
sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de
cargos isolados.” E, logo abaixo, segue o voto do Ministro Octávio
Gallotti, no julgamento da mesma ADIN:“Ora, o que temos agora em vista é a
chamada ascensão funcional, que pressupõe, necessariamente, a existência de
duas carreiras: a carreira de origem e aquela outra para a qual ascende o
funcionário.
Uma carreira, no
serviço público, pode ter cargos de atribuições diferentes, geralmente mais
complexas, à medida que se aproximam as classes finais. Nada impede, também,
que a partir de certa classe da carreira, seja exigido, do candidato à
promoção, um nível mais alto de escolaridade, um concurso interno, um novo
título profissional, um treinamento especial ou o aproveitamento em algum
curso, como acontece, por exemplo, com a carreira de diplomata. O que não
se compadece com a noção de carreira – bem o esclareceu o eminente Relator, – é
a possibilidade de ingresso direto num cargo intermediário. Se há uma
série auxiliar de classes e outra principal, sempre que exista a possibilidade
do ingresso direto na principal não se pode considerar que se configure uma só
carreira.” Logo, tanto no FBI americano, como na Polícia Federal brasileira, é
perfeitamente possível a promoção dentro da mesma carreira “p.o.l.i.c.i.a.l”! Tal
solução pode parecer desagradável para alguns, notadamente, para aqueles que
pensam somente em trabalhar na polícia administrativa. Porém, primeiro temos
que pensar que a investigação policial é a essência da polícia, o fim para o
qual ela foi concebida. Na polícia da carreira única haveria lugar para todos,
com todas as atribuições que o DPF tem hoje, mas sob uma concepção de
investigação policial, e também de supervisão da polícia administrativa totalmente
diferente da atual. E que seria muito boa para os próprios delegados. Lembrando
que, muito do formalismo do atual inquérito policial, enquanto procedimento
administrativo de investigação foi a atual estrutura policial que criou, e não
necessariamente o CPP que mandou que fosse assim. Ademais, o CPP está evoluindo
nesse sentido. Logo, nosso problema é mais interno do que de códex.
Ressalta-se que não está se defendendo que fossemos delegados ou que as praças
sejam alçadas à oficiais, pois o nome destes cargo, em última análise, só é um
outro nome diferente para chefe, supervisor, gerente, inspetor, xeriff,
etc.Certa vez, um procurador da república disse: o que nós precisamos que uma
investigação nos traga, muitas vezes, é somente de uma folha de papel que prove
alguma coisa, uma diligência bem feita, ou seja, um relatório de fatos bem
elaborado. A guerra interna que vocês vivem é estúpida! É desperdício de
energia. E eu? Eu concordo com ele. Finalmente, assim como o delegado
aposentado Dagolberto Albernaz Garcia, acredito que a melhor opção seria a
implantação da carreira verdadeiramente Única, logicamente com o aproveitamento
do atual quadro de policiais (altamente qualificado), e sem os chamados “trens
da alegria”.
Assim,
malgrado ainda cético quanto ao sucesso de aprovação da PEC 51, já que
promoverá uma verdadeira revolução na arquitetura institucional da segurança
pública, ao menos me reservo ao direito de torcer que se decida logo por um
modelo em que não se tenha mais meias – autoridades na polícia brasileira,
mesmo que para isso, em último caso, leve à extinção dos atuais cargos de
agentes da autoridade policial, pois estes enquanto cargos (assessores de
policiais, sendo policias) não existem em polícia alguma do mundo civilizado. É
uma jabuticaba brasileira! Talvez a última desse jaboticabal todo que aqui
expus! Diante do tudo, um pouco mais leve percucientemente sopesado, ouso enfim
perguntar olhando no seu olho estudante: Qual polícia você quer para seus
filhos?
Sobre o autor: MURILO DE OLIVEIRA FREITAS nasceu
em 1980 em Goiânia-GO. Ex oficial do Exército Brasileiro, Ex oficial da Polícia
Militar do Distrito Federal, Ex integrante do BOPE DF, atualmente exerce o
cargo de Agente de Polícia Federal. Ë graduado em Ciências Policiais pela
Academia de Polícia de Brasília e em Direito pela UDF. Especialista em
Segurança Pública e pós graduado em Ciências Criminais pela Universidade
Cruzeiro do Sul. Pós graduando em Direito Penal e Processo Penal pela
Universidade Cândido Mendes. Ávido por mudanças!
Fonte: Blog do Aderivaldo
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