Os gazeteiros e suas desculpas oficiais

De fevereiro a outubro, os 24 distritais apresentaram 283 justificativas para faltar às sessões. De acordo com documento obtido pelo Correio, a maioria não compareceu ao plenário para se encontrar com eleitores, correligionários e resolver assuntos particulares.
Plenário da Câmara Legislativa: três distritais faltaram a mais de 30% das sessões ordinárias este ano

Os 24 distritais da Câmara Legislativa desfrutam de salários e condições de trabalho capazes de causar inveja à maioria dos cidadãos. Ganham R$ 20 mil por mês, têm direito a uma polpuda verba indenizatória (de R$ 20 mil) e só precisam bater ponto em plenário três vezes por semana, sempre à tarde. A lista de deveres e obrigações dos representantes do DF é muito pequena, o que não constrange alguns parlamentares a se ausentarem sistematicamente das sessões. Este ano, a Casa registrou 283 ausências. Três deputados não compareceram a mais de 32% das reuniões ordinárias em plenário, o que representa uma falta a cada três sessões. Enquanto na Câmara eram debatidos projetos de lei, reajuste de servidores, vetos a propostas do governo e outros assuntos de interesse dos brasilienses, os gazeteiros se encontravam com eleitores, faziam reuniões partidárias, realizavam eventos em seus gabinetes ou resolviam pendências particulares. ...

O Correio teve acesso a todas as 283 justificativas apresentadas pelos distritais para faltarem às sessões realizadas entre 5 de fevereiro e 29 de outubro. Os documentos foram solicitados à Casa com base na Lei de Acesso à Informação há um mês, mas a entrega dos dados teve que ser aprovada pela Mesa Diretora. A maioria das desculpas apresentadas pelos gazeteiros é bem vaga. O Regimento Interno não exige explicações detalhadas sobre a falta. São oito as justificativas permitidas pela Câmara, como problemas de saúde própria ou de familiar, participação em atos públicos, presença em eventos fora da Casa e representação do legislativo em eventos oficiais.

Cassado, Raad Massouh justificou ausências para atender "clamor público"

Mas são permitidas também desculpas vagas e estranhas, como “atendimento ao clamor público vinculado a questões emergenciais”. Essa foi a justificativa para a maioria das faltas do deputado recém-cassado Raad Massouh (PPL). Ele e Cristiano Araújo (PTB) foram os mais ausentes em 2013, com 32 faltas cada um — o equivalente a 35% das sessões ordinárias realizadas na Casa (confira Ranking).

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Raad alegou comparecimento a cinco atividades externas, uma participação em solenidade oficial e ainda tirou licença para tratar de assuntos particulares. Em 25 das 32 ausências, ele entregou ofício à Mesa Diretora alegando que faltara ao compromisso em plenário para atender “clamor público”. O ex-deputado usou essa explicação para sumir dos corredores da Câmara, sem obviamente detalhar de que forma estava atuando para atender o clamor da sociedade. Foi o único a usar essa justificativa.

Já Cristiano Araújo alegou compromissos externos para faltar em plenário

Ofício padronizado
Os ofícios de Cristiano Araújo para explicar suas faltas são padronizados. Ele enviou 12 justificativas alegando estar em “atividades parlamentares externas” e 10 memorandos para informar que manteve “reuniões com representantes da comunidade”. No início do ano, o modelo adotado pelos funcionários do gabinete do parlamentar afirmava que Cristiano havia faltado à sessão por conta de “compromissos externos que se estenderam além do horário previsto.”

O gabinete do petista Patrício, o terceiro mais faltoso, também adotou um ofício padronizado para justificar as frequentes ausências do parlamentar. O memorando afirma que “na ocasião, o deputado participava de reunião externa, o que o impediu de chegar ao plenário a tempo para a sessão”, sem descrever qual o motivo dos encontros. Em outros documentos entregues à Mesa, ele alegou que teve “reunião na Administração do Gama”, “compromisso na cidade do Gama”, “reuniões sindicais”, “reunião com policiais militares fora da Câmara” e “reunião com PMs em seu gabinete”.

Celina Leão (PDT), que teve 20 faltas, também deu justificativas vagas. Alegou apenas ter “reunião externa” para explicar 65% de suas ausências. Em outras situações, afirmou que não comparecera por representar a Casa em “evento socioeducativo” e apresentou ainda três atestados. Benedito Domingos (PP) deu explicações diferentes da maioria dos colegas. Para justificar sua ausência em 21 de junho, disse que a falta “ocorreu em virtude da necessidade de comparecimento a uma reunião com lideranças partidárias para debater os últimos acontecimentos no cenário político nacional”. Já em 4 de junho, a desculpa foi o comparecimento “a uma reunião com lideranças evangélicas”.

Explicações mais sérias, como a morte de parentes, também entrou no rol de justificativas. Joe Valle (PDT) teve que se ausentar para “providenciar documentos necessários para se proceder o translado dos corpos de parentes falecidos no Canadá”. Chico Vigilante (PT) também explicou à Mesa Diretora que perdera um irmão no Maranhão e faltou a duas sessões por conta do sepultamento de seu familiar. Sete das 11 faltas de Evandro Garla foram justificadas com a participação dele em reuniões da Executiva Nacional do PRB.

Enquanto distritais alegam estarem longe da Câmara para explicar a ausência, Wellington Luiz (PMDB) entregou seis ofícios em que afirmou estar em atendimento à comunidade em seu gabinete, no horário da sessão. Robério Negreiros, do PMDB, circulou pela vice-governadoria, ocupada pelo aliado Tadeu Filippelli, no horário de alguns encontros deliberativos da Casa. Essa visita foi a justificativa apresentada pelo parlamentar em ofício enviado à Mesa Diretora para justificar três de suas 13 faltas.

Argumentos
A reportagem procurou os três deputados mais faltosos. Patrício explicou que a atividade parlamentar não se restringe às sessões plenárias. “O trabalho se estende à discussão de pautas importantes do Legislativo, como, no meu caso, com a articulação de reivindicações de diversas categorias junto do GDF”. Segundo ele, “muitas vezes, esses compromissos se chocam com a agenda do plenário e, por isso, as faltas são justificadas, de acordo com o previsto no Regimento Interno”. Raad não foi localizado. A assessoria de Cristiano Araújo informou que todas as suas ausências são baseadas no regimento da Casa e que o deputado tem tido uma agenda extensa por estar à frente da Comissão de Assuntos Fundiários.

Para o cientista político Emerson Masullo, professor de políticas públicas da Universidade Católica de Brasília, é preciso haver mais transparência na apresentação de justificativas de ausências. “Eles têm direito a apresentar essas justificativas. A atividade partidária faz parte do Estado Democrático. Mas existe uma necessidade de maior fiscalização”, comenta o professor. “E por uma questão de bom senso, a maioria dessas reuniões poderia ser realizada em horário diferente das sessões e das outras atividades em plenário”, acrescenta.

As regras

O que os deputados distritais podem alegar para faltar às sessões:
» Motivos de saúde própria ou de familiar
» Participação em assembleias e atos públicos
» Entrevistas de rádio ou televisão
» Participação em solenidades oficiais
» Atendimento ao clamor público vinculado a questões emergenciais
» Atividade parlamentar de reunião, seminário, congresso, movimento social e de missão de caráter diplomático ou cultural
» Representação da Câmara Legislativa em eventos oficiais
» Participação em eventos fora do Distrito Federal, mediante prévia comunicação à Mesa Diretora

Fonte: Helena Mader - Correio Braziliense - 03/11/2013

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