Mais um ano se vai e, mais uma vez, estamos na ansiedade e expectativa
de um novo ano que está às portas. Sonhos, desejos e expectativas.
Tudo isso é parte do pacote. Assim esperamos que o
que foi frustração, desesperança ou tristeza converta-se na resposta do
coração. Nós aqui na favela, esperamos que o respeito, a dignidade, o direito à
moradia, à segurança bem como à saúde, educação e ao lazer sejam como
condicionantes para que a vivência plena da cidadania se concretize de fato, e
não em fábulas eleitoreiras e combinações que só produzem resultados
unilaterais. ...
Este artigo, escrito no apagar das luzes de 2013,
está cheio de esperança, e isso porque sou otimista, tenho fé. Mas não sem
preocupação. Uma fala tem sido recorrente de minha parte e é isso que me
preocupa.Tenho dito que às vezes dá vontade de ir embora, de sair do Brasil,
sabe. Não por sonhos mirabolantes de enriquecimento ou prosperidade, mas por
tristeza e, às vezes, desesperança até, diante das verdades aterradoras que
fazem parte da realidade deste país. Uma destas verdades é a de que vivemos em
um país racista onde o "rolezinho" no shopping atrai os homens da
lei, geram catarse coletiva e aplausos aos capitães do mato que exibem mais uma
leva de "escravos" capturados garantindo a segurança da corte. Nojo.
Um país em que droga em propriedade de político,
branco, homem da elite e com um depoimento negativo torna-se verdade absoluta,
não gera notícia vendável e nem ousem investigar, é inocente e pronto. Tudo
isso enquanto o negro na favela sem nenhuma droga na mão fica vendido ao
depoimento do agente que, amparado pela fé pública, diz que tinha droga, armas
e munição e ainda tentou atacá-lo. Para este, adeus. Dói saber que esta é a
mais pura verdade, que é irrevogável e quase com status de uma infalibilidade
papal. Sorte terá o indivíduo que continuar vivo. Nada não, era mais um guri
que ainda pergunta por que recebeu uma bala, sem esquecer de seu lugar, nem a
ânsia da morte o faz esquecer de como usar o pronome de tratamento.
Neste mesmo Brasil, enfermeiros bombeiam oxigênio
com as mãos em um revezamento em desesperado esforço para manter vivo um
paciente. Uma vida, uma história, uma família, um ser humano. Somos a 6ª
economia do mundo. Desculpem-me os leitores, mas se 2013 foi o ano do
"Acorda", 2014 tem de ser o ano do "Basta!". Assim mesmo
com maiúscula, que a gente não tá pra brincadeira. Ainda mais com o cenário
mais do que digno de um daqueles enredos mirabolantes do seriado vingativo,
enlatado americano. A família volta para tentar retomar o palácio. Quem viver
verá!
Espero viver bastante e não ver. Feliz Ano Novo!
"A nossa luta na favela é todo dia e toda
hora, favela é cidade, não à gentrificação e à REMOÇÃO!!"
Mônica Francisco
*Representante da Rede de Instituições do
Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Licencianda em Ciências Sociais pela
UERJ.
Fonte: Jornal do Brasil - 01/01/2014
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