Alteração do decreto de
criação da Força Nacional é inconstitucional e quebra pacto federativo, na
medida em que confere ao Poder Executivo força policial própria
Instituída por César Augusto, primeiro dos grandes imperadores de Roma,
a Guarda Pretoriana foi um corpo militar especial, destacado das legiões
romanas ordinárias, que serviu aos interesses pessoais dos imperadores e à
segurança de suas famílias. Era formada por homens experientes, recrutados
entre os legionários do exército romano que demonstrassem maior habilidade e
inteligência no campo de batalha. No seu longo período de existência (mais de
três séculos) a Guarda notabilizou-se por garantir a estabilidade interna de
diversos imperadores, reprimindo levantes populares e realizando incursões
assassinas em nome da governabilidade do império.
Passou quase
despercebido mas, há algumas semanas, a Presidência da República publicou no
Diário Oficial o decreto n.º 7.957/2013,
que, dentre outros, alterou o decreto de criação da
Força Nacional de Segurança Pública. A partir daí, o Executivo passou a contar
com sua própria força policial, a ser enviada e “aplicada” em qualquer região
do país ao sabor de sua vontade.
Numa primeira
análise, chamou a atenção de alguns jornalistas e profissionais da causa
ambiental a criação da “Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de
Segurança Pública”. Essa nova divisão operacional dentro da Força Nacional terá
por atribuições: apoiar ações de fiscalização ambiental, atuar na prevenção a
crimes ambientais, executar tarefas de defesa civil, auxiliar na investigação
de crimes ambientais, e, finalmente, “prestar auxílio à realização de
levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”.
Não é preciso lembrar que uma das notícias mais importantes da semana
passada foi o envio de tropas militares da Força Nacional de Segurança Pública
para os municípios de Itaituba e Jacareacanga, no sudoeste paraense. O objetivo
da incursão militar, solicitada pelo ministro das Minas e Energia, Edison
Lobão, é exatamente “apoiar” (leia-se: garantir pela força) o trabalho de 80
técnicos contratados pela Eletronorte para os levantamentos de campo
necessários à elaboração do Estudo de Impacto Ambiental dos projetos de
barramento do rio Tapajós, para fins de aproveitamento hídrico (construção de
hidrelétricas, pelo menos 7 delas).
Inconstitucionalidade
A criação dessa companhia especial, seguida da operação de guerra que invadiu
terras, inclusive áreas de caça das aldeias indígenas do povo Munduruku, acabou
por obscurecer outra pequena alteração efetuada pela Presidência no ato de
criação da Força Nacional (decreto 5.289/2004),
mais especificamente sobre a legitimidade para solicitar o auxílio dessa tropa.
O art. 4º do decreto
original tinha a seguinte redação:
“Art. 4º A Força Nacional de Segurança Pública poderá ser
empregada em qualquer parte do território nacional, mediante solicitação
expressa do respectivo Governador de Estado ou do Distrito Federal.
Após a alteração,
passou a vigorar assim:
“Art. 4º A Força Nacional de Segurança Pública poderá ser
empregada em qualquer parte do território nacional, mediante solicitação
expressa do respectivo Governador de Estado, do Distrito Federal ou de
Ministro de Estado.”
A
partir de agora, qualquer ministro pode solicitar o emprego da Força Nacional
para defender os interesses do governo federal, sem a necessidade de qualquer
autorização judicial, nem mesmo aquiescência do governo do estado
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A inclusão dessas cinco palavras mágicas ao final do artigo 4º
acabou por subverter por completo a razão de ser do decreto e, de quebra,
burlou as determinações da Constituição Federal sobre a repartição de
responsabilidades entre os entes da Federação (municípios, estados e União), o
que pode ser considerado inclusive como quebra do pacto federativo. A partir de
agora, qualquer ministro de Estado (todos eles subordinados à Presidência) pode
solicitar ao Ministério da Justiça o emprego da Força Nacional de Segurança
Pública em qualquer parte do país, para defender os interesses do governo
federal, sem a necessidade de qualquer autorização judicial, nem mesmo
aquiescência do governo do estado em questão.
Para entender melhor
a gravidade da situação, é preciso ter em mente que a Força Nacional de
Segurança Pública não é uma polícia, mas um “programa de cooperação federativa”
(art. 1º do decreto), ao
qual podem aderir livremente os governos estaduais, e cujo objetivo é a
“preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” em
situações excepcionais em que as polícias militares dos estados necessitem, e peçam, o apoio de tropas vindas de outros estados.
Isso porque a Constituição Federal determina
que a responsabilidade por “polícia ostensiva e a preservação da ordem pública” é das polícias militares dos estados, subordinadas aos
respectivos governadores (art. 144, §§ 4º e 5º). À União restam duas
possibilidades: intervenção federal no estado (art. 34), ou decreto de
estado de defesa (art.136), ambas situações excepcionalíssimas de garantia da
segurança e integridade nacionais, em que serão acionadas as Forças Armadas
(Exército, Marinha e Aeronáutica).
A chave para compreender a mudança é que, até o mês passado, era preciso
“solicitação expressa do respectivo Governador de Estado ou do Distrito
Federal” para motivar o envio da Força Nacional de Segurança Pública a qualquer
parte do país, por tratar-se essencialmente de um programa de cooperação
federativa entre estados e União.
Esse contingente
militar de repressão
poderá ser usado
contra populações afetadas
pelas diversas obras de interesse do Governo
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Agora não mais. A
recente alteração do art. 4º do decreto5.289/2004,
transformou a Força Nacional de Segurança Pública na nova Guarda Pretoriana da
presidente Dilma Rousseff. Retirou das mãos dos estados a responsabilidade pela
polícia ostensiva e preservação da ordem pública, nos locais em que os
ministros entenderem ser mais conveniente a atuação de uma força controlada
pelo Governo Federal. Esse contingente militar de repressão poderá ser usado
contra populações afetadas pelas diversas obras de interesse do Governo, que
lutam pelo direito a serem ouvidas sobre os impactos desses projetos nas suas
próprias vidas e no direito à existência digna, tal como já está ocorrendo com
os ribeirinhos e indígenas do rio Tapajós.
Não por acaso, essa
profunda alteração no caráter da Força Nacional foi levada a cabo sem maiores
alardes, no corpo de um decreto que
tratava de outros assuntos. A inconstitucionalidade do ato é evidente, viola
uma série de regras e princípios constitucionais além de atentar contra o
próprio pacto federativo, um dos poucos alicerces da jovem república
brasileira.
* João Rafael Diniz é advogado e membro
do grupo Tortura Nunca Mais – SP
será que ainda temos Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal? e a Constituição ainda vigora nesse País? se não vigora mais nada impede que as FFAA assuma o poder(mesmo que temporariamente) e faça valer que ainda existe uma parcela da sociedade que cuida e zela por esse país. os mantenedores da Lei e da Segurança Nacional. as FFAA e as demais Forças de Segurança.
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