Retrógrado, Código Penal Militar vai se modernizar. Até pena de morte ele hoje prevê

Punições para coisas que há muito tempo a sociedade civil já não considera crime, como "pederastia" vão, afinal, desaparecer também da lei dos soldados


Depois de mais de meio século, o Código Penal Militar (CPM) vai ser reformado e, mais do que isso, se modernizar e se adequar a códigos e comportamentos que já são comuns na sociedade civil. Até mesmo a pena de morte, que muitos brasileiros não sabiam que ainda vigorava no país, vai deixar de existir. A proposta da nova legislação, que será levada no dia 8 de abril para a Câmara, não terá alguns termos que hoje são usados comumente para determinar punições entre os soldados, como "homossexualismo" e "pederastia". Além disso, a palavra "companheiro" vai passar a constar na relação dos cônjuges do militar, além de marido e mulher.

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Segundo a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, ex-presidente do Superior Tribunal Militar (STM), a lei vigente não é compatível com os momentos atuais. "A legislação está muito desatualizada. Não houve uma evolução de mentalidade", afirmou a ministra ao Fato Online. Ela explica que o código militar não acompanhou o civil, o que acabou restringindo as penalizações, mesmo dos crimes considerados graves. Em algumas situações, não há nem punição para os militares. As leis da caserna, por exemplo, não prevêem crimes ambientais, que hoje para os civis são inafiançáveis.

"Há casos em que a pena, pelo Código Penal Militar, é branda, como é o caso do estupro. A agressão à mulher, por exemplo, é tratada como lesão corporal e não se pode aplicar dentro do quartel a Lei Maria da Penha". diz Maria Elizabeth. Ela explica que os militares só podem responder à sua legislação própria e não ao que prevê o Código Penal Brasileiro, que é a legislação civil. "O problema é que, nos últimos 20 anos, houve uma evolução social grande no país, principalmente em relação às mulheres, que passaram a ter mais direitos", observa a magistrada.

Maria Elizabeth: código militar não acompanhou avanços da sociedade civil
Foto: Joel Rodrigues/ObritoNews/Fato

Auge da ditadura

O CPM foi promulgado em outubro de 1969, no auge da ditadura, mas seu texto é de 1946, período em que alguns tipos de crime não tinham a mesma tipificação de hoje. Por isso, muitos ministros do STM são obrigados a declinar da competência, transferindo alguns processos para outra instância, como a Justiça Federal. "Fico tão sensibilizada que prefiro declinar (do processo). Estamos defasados sob todos os aspectos", ressalta a ministra.  

O texto que será enviado à Câmara também retira da atual legislação militar alguns termos considerados pela ministra como homofóbicos. O artigo 235, por exemplo, diz que é proibido "praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar". Pela nova proposta, as palavras "homossexuais ou não" foram suprimidas. A alegação é a de que as expressões violam princípios constitucionais.

Pelo mesmo motivo a futura lei retirou a palavra "pederastia" (que define relação homossexual masculina) de um de seus artigos. “Não tem sentido colocar determinadas expressões que só prejudicam o ser humano. Isso acaba criando um discurso de ódio”, observa a ex-presidente do STM.

Soldados e companheiros

No capítulo que fala sobre o serviço militar, também haverá inovações em se tratando de gênero. Além dos parentes ascendentes, descendentes e irmãos, também pode dar asilo a um convocado para as Forças Armadas, o seu "companheiro", conforme consta no texto. A explicação é que esta é uma forma de explicitar a situação da união estável. A medida é repetida em outras situações. "A democracia funciona onde todos são respeitados", ressalta a ministra do STM.

No artigo 232, que define o crime de estupro, o texto também vai mudar. Atualmente, pelo código vigente é punido o militar que "constranger mulher a conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça". Ou seja, não havia previsão de punição se a vítima do estupro fosse um homem. Caso seja aprovada a nova versão, não haverá mais a definição de gênero, ficando o texto da seguinte forma: "Constranger alguém mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso". 

Entre os avanços do CPM, estará a tipificação do crime de assédio sexual praticado nos quartéis, cuja pena será de um a dois anos de detenção. O aborto voluntário também será criminalizado dentro do novo código, assim como a omissão de socorro pelo militar, causar perigo de contágio de doença venérea ou outra enfermidade grave.

A proposta de legislação que será enviada aos deputados vai acompanhar a evolução da lei penal civil. A intenção é apenar o usuário de droga de forma diferente do traficante. No primeiro caso, a posse ou a guarda de entorpecente para uso próprio terá uma pena de seis meses a dois anos de detenção, enquanto que quem traficar dentro dos quartéis será penalizado com cinco a 15 anos de detenção. Em ambos os casos, a pena é dobrada caso o militar infrator esteja de serviço.

O código também vai receber algumas adaptações de outras legislações, como os delitos ambientais que não estão previstos nas leis da caserna. É o caso das licitações realizadas pelas unidades militares. O texto que define as fraudes nos processos de concorrência é mais explícito e aumenta as penas que variam de dois a seis anos de prisão. Pela legislação atual a punição é com três anos de detenção. Além disso, para se adaptar à modernização da máquina administrativa, o CPM criou e adaptou novos artigos nesta área.
O texto que modifica a legislação militar já teve uma primeira discussão na Câmara entre os deputados e integrantes do STM, e a intenção é levar uma proposta mais detalhada no próximo dia 8. Conforme a ministra Maria Elizabeth, o projeto final foi debatido com a sociedade pelas redes sociais e com os demais magistrados.  

Fonte: Fatoonline.com

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